Bolsonaro impõe Revalida aos profissionais cubanos e Cuba anuncia retirada de ‘colaboradores’ do Mais Médicos
Governo Cubano afirma ser inaceitável condição imposta e anuncia retirada de “colaboradores cubanos”do pais
Por Kleber Karpov
O governo cubano anunciou, na quarta feira (14/Nov), a retirada dos médicos que atuam no programa Mais Médicos. O anuncio ocorre, após o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), declarar, no Twitter, o condicionamento da atuação profissional dos médicos cubanos no Brasil, a realização do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida), direcionado aos médicos que se formam no exterior para atuarem no país.
Na postagem do Twitter, Bolsonaro, mencionou: “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, declarou.
O presidente eleito criticou ainda, na rede social, a exploração dos profissionais cubanos. “Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”, publicou mais tarde.
Resposta Cubana
Para o governo cubano, as posições de Bolsonaro foram recebidas como afrontas a atuação do país no Mais Médicos. Em ‘Declaração do Ministério da Saúde Pública’ de Cuba, que anunciou a retirada do Programa. “Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países.”.
No documento, o governo de Cuba classificou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como golpe, mas ratificou a permanência no país, após o então vice-presidente, Michel Temer, assumir o poder, uma vez que o Programa era referendado pela Organização Pan-Americana de Saúde.
Distribuição x Atuação social
O governo cubano aponta que desde 2013, “cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113,3 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios, atingindo um universo de 60 milhões de brasileiros cobertos por eles na época, o que constituiu 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.”
O governo de Cuba chama atenção ainda para o “O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia nos 34 Distritos Especiais Indígenas [Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s)], especialmente na Amazônia.”
Dados do Ministério da Saúde (MS), brasileiro, revelam que 8.332 médico cubanos atuam atualmente no país, desses, apenas 301 fazem parte dos DSEI’s. Do total, 50% atendem nas regiões norte com 16% e nordeste com 34%, 1314 e 2817, respectivamente. Os outros 50% estão distribuídos com 2420 médicos na Sudeste, 1322 no Sul, além de 459 no Centro-Oeste.
Menos Cubanos
De acordo com o Ministério da Saúde, a gestão trabalha para diminuir o número de médicos cubanos no programa. Desde 2016, aproximadamente 11.400 profissionais de Cuba trabalhavam no Mais Médicos. Esse número reduziu em 36%, se comparado aos 8.332 atualmente ativos, de um total de 18.240, atualmente no país.
Para tranquilizar a população, em relação a saída dos colaboradores cubanos do Mais Médicos, o MS, afirma que estuda, medidas a exemplo da ampliação de participação de brasileiros formados por meio do Programa de Financiamento Estudantil (FIES).
Mais Médicos cubanos x Revalida
Criado em 2013, em resposta a ondas de protestos no Brasil, popularmente conhecido como Manifestações dos 20 centavos, o Mais Médicos foi uma forma de o governo de Dilma Rousseff atender a uma das principais demandas apontadas, à epoca, no país, a falta de médicos.
Com o anúncio da criação do Mais Médicos, para o recebimento de médicos cubanos, foi recebida sob protestos da classe médica em todo país. Na ocasião, entidades ligadas à categoria se mobilizaram para exigir que os ‘colaboradores cubanos’ fossem submetidos ao Revalida, criado em 2010, por portaria interministerial, dos ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS), para validar, por meio de provas, o processo de reconhecimento de diplomas de medicina emitidos por instituições de ensino estrangeiras.
Em abril desse ano, a Comissão de Educação (CE) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 4067/15, do Senado, que institui o Revalida. Atualmente o PL segue em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC).
Enquanto não segue para votação, no Brasil, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apontam que 549 cubanos foram aprovados no Revalida, entre os anos de 2011 e 2016. Cuba ficou atrás apenas da Bolívia, com 491 médicos que tiveram êxito na aprovação.
Veja a íntegra da nota divulgada pelo governo de Cuba:
Declaração do Ministério da Saúde Pública
O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios de solidariedade e humanistas que nortearam a cooperação médica cubana por 55 anos, envolvidos desde a sua criação em agosto de 2013 no programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal da saúde promovida pela Organização Mundial da Saúde.
Esse programa previa a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas daquele país.
A mesma participação cubana é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de lugares não cobertos por médicos brasileiros ou outras nacionalidades.
Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113,3 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios, atingindo um universo de 60 milhões de brasileiros cobertos por eles na época, o que constituiu 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.
O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, municipal e estadual daquele país e de sua população, que concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.
Em 27 de setembro de 2016, o Ministério da Saúde Pública, em uma declaração oficial, informou perto da data de expiração do contrato e no meio dos eventos que cercam o estatuto jurídico-legal do golpe contra a presidente Dilma Rousseff que Cuba “continuará a participar do acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais”, o que foi respeitado até agora.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com direto, depreciativo e ameaçando a presença de nossas referências médicas, disse e reiterou que modificar os termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito para a Organização Pan-Americana da Saúde e acordados com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título como única forma de se contratar individualmente.
As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificados em 2016 com a renegociação da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil e de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença de profissionais cubanos no Programa.
Portanto, nesta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e tem comunicado ao Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.
Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. As façanhas da luta contra o Ebola, na África, cegueira, na América Latina e no Caribe, a cólera, no Haiti, e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e grandes epidemias “Henry Reeve” no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.
Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35 mil 613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente.
Havana, 14 de novembro de 2018
Com informações de MS Brasil e G1
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