O Dia Em Que o Passado Morreu


Por José Roitberg

O fogo é a vida. O fogo é a comida. O fogo é a indústria. O fogo é a morte, a desagregação catastrófica final das moléculas, cujos átomos básicos voltam a ser o que sempre foram: poeira estrelar.

O passado do Brasil morreu hoje. Não foi assassinado, espero eu. Tivesse sido, qual poderia ser a pena ao assassino? Um dia de cadeia por cada peça destruída do acervo? Vinte milhões de dias numa cela de 4 metros quadrados olhando para a parede? Talvez fosse uma pena pequena, apenas uma compensação material por assassinato de vinte milhões de bens imateriais, pertencentes a toda a humanidade, e sob guarda de bosta logo da UFRJ, logo da minha universidade.

A UFRJ não consegue manter nem o traseiro do reitor. Não consegue manter sequer seu hospital como um hospital de excelência. A UFRJ se recusa a permitir a PM (estadual) em seus domínios feudais ideológicos de esquerda política federal.

A UFRJ teve, há poucos anos atrás o incêndio provocado por imperícia durante uma obra que destruiu a área historicamente mais importante do Campus da Praia Vermelha (28/mar/2011), a capela do século XIX.

A UFRJ sofreu vários incêndios em seus prédios na Ilha do Fundão: (5/out/2016), incêndio do Prédio da Reitoria; (1/mar/2017), incêndio do último andar do prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; (21/fev/2018), incêndio no Prédio do Alojamento dos Alunos; (23/mai/2018), princípio de incêndio no Hospital do Fundão. Se continuarmos a lista o leitor poderá até imaginar que incêndios são atividades normais nos prédios mal-geridos pela UFRJ.

Você vai se arriscar a perguntar se havia sistema obrigatório anti-incêndio nos prédios controlados pela UFRJ?

E dentro desta estupidez gerencial, hoje a UFRJ e seu reitor, perderam o sexto maior museu de antropologia do mundo, perderam a história da fauna pré-histórica no Brasil, perderam o último palácio imperial e a penúltima sala do trono existente na Américas (pois nos restou da do Palácio de Verão de Petrópolis), perderam a maior coleção de insetos da humanidade, perderam um sem número de insetos, animais vertebrados e invertebrados extintos, perderam múmias valiosíssimas, perderam cerâmicas indígenas de mais de 3.000 anos, perderam o corpo do ser humano mais antigo encontrado nas Américas, a Luzia, mas o reitor, que nem sei quem é, não vai perder o cargo.

As peças da história do Primeiro Reinado, anteriores e posteriores não existem mais. Neste momento não sabemos se a coleção de milhares de fotografias adquiridas ao longo dos anos por D. Pedro II estavam lá na Quinta ou em outro lugar. Trata-se do maior acervo mundial dos primórdios da fotografia em peças únicas e originais.

Fosse na Europa ou EUA, o reitor já teria renunciado envolto pela vergonha. Fosse no Japão, seria encontrado morto em sua casa com o estômago aberto, a única forma de demonstrar a vergonha pela culpa.

Falo em culpa, pois é culpa deste reitor, do anterior, do anterior, do anterior e de todos antes deles, a PÉSSIMA situação física do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista, prédio com exatos 200 anos. Qualquer visitante lá poderia constatar fiações expostas e gambiarras elétricas. É muito provável que uma delas tenha sido a causadora da devastação total.

É culpa do reitor não ter dinheiro para manter o Museu? Não. É culpa do GOVERNO FEDERAL, e do Ministério da Educação, pois a UFRJ é universidade federal.

É culpa do reitor o Museu estar nas condições fatais constatadas hoje? É. É o mesmo tipo de culpa que eu conheci desde a minha entrada na UFRJ, com uma fila de super-doutores de esquerda procurando as benesses da reitoria mas não o fardo da reitoria. Reitores e Decanos que NÃO ACEITAVAM DOAÇÕES DE EMPRESAS, alegando não aceitarem dinheiro de burgueses capitalistas. Reitores que preferem as instalações miseráveis beneplácitas de um governo falido, a terem acordos de patrocínios com empresas, como em todo o mundo.

Reitores e sindicatos estúpidos de funcionários que mantém o Canecão em ruínas, talvez esperando que alguém taque fogo lá.

O Museu da Quinta da Boa Vista ser gerido por uma UFRJ incapaz de manter seus próprios banheiros sem mijo e fezes no chão sempre foi uma luta de poder político e uma situação anormal para nossa cultura. Nenhum governo do mundo permitiria um descaso com um acervo DA HUMANIDADE como cada um dos governos brasileiros permitiu. É claro que o Museu da Quinta da Boa Vista deveria ter virado fundação ou ONG há muito tempo. Muitos pretenderam isto, mas sindicatos controlados pelo PSTU sempre determinaram o Não.

A imolação de todo o acervo neste dia 2 de setembro de 2018, aniversário a assinatura da Independência do Brasil pela Princesa Leopoldina, tem o caráter poético do suicídio de uma nação.

Como se o acervo único estivesse cansado de ser tratado como lixo, como se não estivesse mais disposto a encantar os poucos visitantes que ainda se importavam com o passado.

É como se o acervo, composto em sua maioria por cadáveres ou peças que pertenceram a cadáveres, cometesse um suicídio final a prova de falhas. Como se os milhões de cadáveres de insetos, animais e algumas pessoas, tivesse decidido descansar em paz e não mais ficar às vistas de curiosos.

Nós, gente, povo, historiadores, pesquisadores, estamos arrasados. E eles, reitores, diretores, ministros, presidentes? Como estão?

A reserva técnica virou cinzas também. As fichas dos 20 milhões de itens, suas notas, as pesquisas sobre cada um deles, provavelmente não existem mais. Eu ficaria muito surpreso se houvesse um disco de computador, fora do prédio destruído, que armazenasse algumas dezenas de milhões de fotos englobando todas as peças no acervo, de vários ângulos. Isso permitiria remontar o museu virtualmente, mas acho improvável a existência deste arquivo.

O acervo físico nunca poderá ser refeito. A quase totalidade dos 220 milhões de brasileiros não sabem o que foi perdido e não darão pela falta.

E é claro, para nós, judeus, existia lá uma pequena parte de nossa história, uma única peça entre as 20 milhões e nem podemos chorar apenas por ela: era o rolo de Torá em couro que D. Pedro II comprou em Jerusalém quando lá esteve. Por vezes saia de lá para alguma pesquisa. Será que sobreviveu? A imagem neste post é a foto oficial do ex-Museu Nacional.

E como falamos dos átomos quebrados pelo fogo que voltaram às estrelas, em alguns dias teremos a notícia de que o meteorito do Bendegó, o maior encontrado nas Américas, no ano de 1784, resistiu e será a peça emblemática de um futuro memorial ao passado do Brasil que morreu neste dia. (na foto deste post do blog Malas Prontas). Pesadíssimo, nunca passou do hall de entrada do Palácio, onde estava exposto desde o ano de 1888.

Eu só espero, mas preciso levantar esta possibilidade, que o incêndio não tenha sido apenas um crime para encobrir o roubo de algumas peças muito caras e muito importantes.

Ah, um detalhe. Era proibido tirar fotos lá dentro, como se a história fosse um segredo. Então, pouco há que mostrar.

Se eu disser a você que o site oficial www.museunacional.ufrj.br está fora do ar, pois provavelmente o servidor ficava lá no museu queimado vc acredita, né.

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