*A CORDA ESTICOU!*


Alex Fiúza de Mello

E pode arrebentar – a qualquer momento!

Em entrevista ao vivo à CNN, na noite de 16 de abril, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, num desabafo indignado e incontido, acusou publicamente o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de liderar posições no Parlamento com o intuito de “conduzir o Brasil ao caos” e “tirar-lhe do governo”.

Maia, de comum acordo com o presidente do Senado, David Alcolumbre, aproveitando-se do ambiente de incertezas gerado pela crise da pandemia do coronavírus, já havia articulado com os Governadores de Estado (sob a coordenação de João Doria) o esvaziamento do poder de intervenção da Presidência da República no atual (e instável) cenário político, para o que contabilizava – além do respaldo midiático dos grandes grupos de comunicação (Rede Globo, Folha de São Paulo, etc.) – com a retaguarda de membros do STF (conforme confirmaram os fatos) e a cumplicidade do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (de seu próprio partido) – por isso destituído, dentre outras razões, do cargo.

A aprovação pelos deputados federais do substitutivo do PLP 149/2019, com flagrante e proposital desvirtuamento da versão original do chamado “Plano Mansueto” – um programa elaborado pelo secretário do Tesouro Nacional de socorro criterioso (e com rigor fiscal) aos estados e municípios mais endividados –, passou a impor ao Governo Federal, sem contrapartida dos beneficiários (!), a compensação total pelas perdas de arrecadação de todos os entes federativos durante o período da “quarentena”. Por baixo, isso representa cerca de 100 bilhões de reais a mais de desembolso para os combalidos cofres da União, que já houveram destinado outros 600 bilhões a título de “orçamento de guerra” para o combate da pandemia e a mitigação de seus efeitos econômicos junto à população mais vulnerável (de baixa renda).

Trocando em miúdos, praticamente todo o montante dos 800 bilhões de reais que seriam economizados, ao longo dos próximos dez anos, com os gastos da previdência, acabam de ser extintos em pouco mais de um mês, retornando tudo à estaca zero, sem perspectivas de recuperação. Tal decisão congressual representa o “golpe de misericórdia” que inviabiliza, daqui em diante, qualquer possibilidade de execução de políticas públicas por parte Poder Executivo Federal, se não a própria insolvência do sistema, com o agravante da perda de todas as conquistas de estabilização econômica (redução dos juros e da taxa Selic, controle e contenção do déficit público, reforma da previdência, etc.) conseguidas, com muito esforço, ao longo do ano de 2019.

Fato é que a pandemia ofereceu uma oportunidade ímpar para a retomada e o aprumo das arquitetadas e urdidas táticas golpistas, num quadro absolutamente favorável à ampliação da reação concertada (e sorrateira) do tradicional “mecanismo” (golpeado desde o início da Operação Lava Jato), graças a uma inesperada constelação de vantajosas circunstâncias conjunturais: 1) o “isolamento social” (hoje imposto por decreto dos governadores de estado e respaldado pelo STF) inibe os movimentos de rua; 2) os deputados e senadores podem votar à distância (e em surdina) as matérias polêmicas (e impopulares) sem se expor perante a opinião pública; 3) a crise da saúde pública desvia a atenção dos cidadãos comuns daquilo que ocorre no mundo da política; 4) a redução das atividades produtivas conduz a uma inevitável e grave crise econômica, cujos efeitos podem ser trabalhados, oportunisticamente, em função do desgaste do Governo, abrindo espaço para um seguido (e pretendido) “xeque-mate”.

Isolado nesse meio político e sem o respaldo das principais instituições de Estado (controladas por seus inimigos) – à exceção das Forças Armadas (até aqui silentes) –, restou ao Presidente da República o apelo à nação. A denúncia pública das artimanhas em curso. O sinal de alerta para as notórias investidas de “golpe” – inaugurando um novo capítulo dessa tumultuada “guerra brasileira”, em plena efervescência.

Sem “torre”, sem “bispo” e sem “cavalo”, o “rei” se defende no “tabuleiro do xadrez” do jeito que pode, tendo apenas como escudo (e peça de contra-ataque) a força e a versatilidade da “rainha”, cujos movimentos ainda podem surpreender os oponentes com lances inesperados, colocando-os na defensiva, desde que com a ajuda da ação sincronizada do batalhão de “peões” – usualmente menosprezados no “tabuleiro”, mas potencialmente ameaçadores.

O que unifica, dum mesmo lado do “cabo-de-guerra”, Maias, Alcolumbres, Lulas, Dirceus, Renans, Toffolis, Gilmares, Lewandowskies, Dórias et caterva – com todo o “Centrão”, os partidos (ditos) “de esquerda” e os seus correspondentes representantes togados – não é outra coisa que a retomada do poder do Estado para os habituais fins corporativos e privados – como testemunharam o “Mensalão”, o “Petrolão e outras “vicissitudes” de mando descortinadas pela Lava Jato.

Trata-se, o conflito em campo, de uma espécie de “guerra de posições”, a exemplo de um tabuleiro de xadrez, com o movimento reativo de “peças” conforme cada lance e conjuntura: de um lado, intervém a turma do patrimonialismo de Estado, de feições corporativo-oligárquicas, movida pela manutenção dos privilégios e da corrupção sistêmica; de outro, aqueles grupos que, ainda pouco consistentes (mas determinados), lutam pela instauração da república – do uso do poder de Estado para fins de interesse público (da maioria da população).

O primeiro grupo ainda controla a maioria das principais instâncias político-estatais (Congresso Nacional, Tribunais Superiores, Tribunais de Contas, Governos estaduais, etc.); o segundo, reage através das brechas existentes nas esferas do Poder Executivo (Presidência da República e ministérios), setores do Ministério Público, direções de empresas estatais (retiradas do controle dos antigos inquilinos) e outras esferas menores de poder.

Não é uma disputa entre “direita” e “esquerda”; ou entre “conservadores” e “progressistas”; tampouco entre “liberais” e “socialistas”. Ledo engano. O que está em jogo é a restauração plena (e, se possível, mais consistente) do tradicional império cleptocrático – golpeados os seus protagonistas pela Lava Jato e pela imprevista eleição de um presidente “outsider” – vs. a tentativa de proclamação da república (o expurgo do corporativismo) – ainda não ocorrida no Brasil. Simples assim. E tudo ainda sem vencedores derradeiros – sem “xeque mate”.

Com os últimos acontecimentos, tendo como pano-de-fundo (e álibi) o agravamento das crises combinadas (sanitária e econômica), a corda do “cabo-de-guerra”, definitivamente, se esticou ao limite.

De que lado vai arrebentar, só o tempo dirá!

O Senado Federal, caso venha a rejeitar a “jogada” de Maia – e a contragosto de seu presidente –, ainda poderá restituir algum equilíbrio momentâneo (e responsável) a esse instável “tabuleiro” político. Se aprovar o PLP 149/2019, aos moldes “encomendados” pela Câmara, contribuirá peremptoriamente à precipitação da premeditada “ruptura”.

Restará, então, no horizonte imediato, ou a queda do Presidente (não importa por que “via”) ou a reação popular (de absoluta imprevisibilidade). Ou o golpe, ou a “revolução”.

As “cartas” estão na “mesa” – ou as “peças”, no “tabuleiro”.

Enquanto isso, as Forças Armadas – “escaldadas” pela história e de “barbas de molho” – acompanham atentas – e em prontidão – os movimentos…

* Professor (aposentado) da UFPA. Mestre em Ciência Política UFMG e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris e em Madrid.

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