Xi Jinping tem intensificado a opressão doméstica e reforçado com muito mais virulência sua agenda de influência externa, com intimidação e ameaças
Rodrigo Constantino
Fomos surpreendidos esta
semana com a notícia de que insumos para a produção de vacinas estavam retidos
na China. Especulou-se sobre os motivos, alguns falaram em problemas políticos
com o governo Bolsonaro, outros em interesses comerciais, já que outros países
poderiam pagar mais para “furar a fila” e obter antes de nós esses insumos.
Em uma entrevista, perguntei
ao assessor internacional da Presidência, Filipe G. Martins, justamente sobre a
situação com a China, e ele respondeu que era uma polêmica fabricada, que a
China está encontrando dificuldades internas para atender a toda a demanda. O
embaixador brasileiro no país esteve reunido com o chanceler e escutou dele que
não havia nenhum obstáculo político segurando o envio do material.
Não se sabe onde está a
verdade, mas o fato é que o Brasil parece ter acordado para o risco de depender
de um regime como o chinês. E isso é positivo. Afinal, a China, dominada há
décadas pelo Partido Comunista Chinês, representa hoje a maior ameaça ao mundo
livre ocidental, e cada vez mais gente se dá conta disso, especialmente após a
pandemia que se originou em Wuhan.
Como membros do governo Bolsonaro, como o chanceler Ernesto Araújo, e também um filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, costumam adotar um discurso duro contra as pretensões chinesas, a oposição encontrou no episódio mais um pretexto para desgastar o governo. Não teríamos nossas vacinas por culpa da desnecessária beligerância dos bolsonaristas, que se recusam a adotar uma linha mais pragmática e amena com nosso maior parceiro comercial.
Querem, além de atacar
Bolsonaro, uma linha de subserviência perante o regime chinês. O presidente da
Câmara, deputado Rodrigo Maia, resolveu bancar o salvador da pátria e, já de
saída do cargo, achou adequado marcar uma reunião virtual com o embaixador
chinês no Brasil, Yang Wanming. Maia, então, “tranquilizou” o país ao dizer que
o embaixador garantiu não haver nenhum obstáculo político, mas sim técnico, na
demora para o envio dos insumos. Agora podemos dormir tranquilos!
Maia atua como uma espécie de despachante da ditadura chinesa. Quando o mesmo embaixador enviou cartas a deputados brasileiros “pedindo” que não reconhecessem o resultado das eleições em Taiwan, Maia nada disse sobre esse absurdo. Quando o embaixador trocou farpas com Eduardo Bolsonaro, Maia achou adequado sair em defesa do embaixador, não do deputado mais votado em 2018, que tem todo o direito de criticar o regime chinês.
Pragmatismo não significa subserviência ao regime chinês ou falta de clareza moral
O empresário e ex-secretário
de Desestatização Salim Mattar desabafou: “Democracia jabuticaba brasileira.
Onde já se viu presidente da Câmara negociar insumos para a saúde? Muito triste
isso!”. Podemos apenas imaginar se fosse o contrário, se o Poder Executivo
estivesse se intrometendo numa função que cabe ao Legislativo. Qual seria a
reação da imprensa, ou do próprio Maia? Mas Maia não liga para esses
“detalhes”, pois ele é o grande estadista iluminado lutando contra o
obscurantismo tosco de Bolsonaro — ou ao menos nisso ele finge acreditar quando
tenta enganar os demais.
A China é nosso maior parceiro
comercial, fato. É preciso adotar uma boa dose de pragmatismo, sem dúvida.
Nosso agronegócio depende disso, certamente. Mas isso não pode significar
subserviência ao regime chinês ou falta de clareza moral sobre os riscos que
ele representa. E vários países ocidentais já perceberam isso, subindo o tom
contra a China e pensando em estratégias para reduzir a dependência. A postura
mais agressiva do regime desde que Xi Jinping chegou ao poder tem produzido uma
reação geral, ampliada após a covid-19.
É o que mostra a chinesa
naturalizada americana Helen Raleigh, no livro Backlash: How China’s
Aggression Has Backfired. Raleigh é uma financista que nasceu na China e
obteve cidadania norte-americana. Ela escreve para veículos conservadores e é
autora do livro Confucio Never Said, um esforço para tirar da
sonolência os norte-americanos que passaram a flertar com o socialismo. No
livro, ela conta a história de sua família, torcendo para que as dificuldades
vividas na China e a sobrevivência precária sob o regime socialista, reveladas
na obra, convençam os norte-americanos de que devem abandonar qualquer
tentativa de importar essa ideologia maligna para seu país.
No livro novo, Raleigh traz à
tona o intuito imperialista da China. Desde que Xi Jinping assumiu o PCC, o
regime tem intensificado a opressão doméstica e também reforçado com muito mais
virulência sua agenda de influência externa, o que envolve intimidação,
chantagem ou ameaça, quando não é possível simplesmente comprar apoio. A
atuação do embaixador chinês antes de assumir seu cargo no Brasil atesta bem
isso: ele adotou métodos nefastos durante sua permanência na Argentina. E assim
tem sido em quase todas as embaixadas mundo afora.
A relação entre China e
Estados Unidos vem se deteriorando bastante diante de nossos olhos, e Trump
adotou uma linha mais dura contra o avanço chinês. Vivemos uma Guerra Fria 2.0,
com a China no lugar dos soviéticos. O enriquecimento chinês por meio de um
capitalismo de Estado agressivo não deve gerar confusão acerca de seu modelo
político, que segue sendo o comunismo. Basta ver como bilionários que ousam
questionar o regime são tratados no país para se ter ideia de que uma coisa é a
conta bancária recheada, e outra, bem diferente, é ter liberdade de fato.
Para Raleigh, o PCC tem um
plano abrangente para sua dominância global e o estabelecimento de uma nova
ordem mundial. O Ocidente só acordou para essa ambição chinesa recentemente, e
está adotando respostas inconsistentes e incoerentes. O primeiro passo para
consertar os rumos é admitir a ameaça; o segundo é adotar uma postura de
clareza moral, ou seja, ter em mente que praticar comércio com empresas
chinesas é algo desejável, mas que há muito mais em jogo aqui, e que nossas
liberdades e nossa própria democracia não estão à venda.
A China não brinca em serviço
quando o assunto é o controle da hegemonia internacional. Com todos os seus
defeitos, os Estados Unidos ainda representam a liderança do mundo livre,
contra essa pretensão globalista encabeçada pelos chineses. Defender a
soberania nacional se faz necessário. Enfrentar com inteligência o dragão
chinês será o grande desafio nos próximos anos. E todo o cuidado é pouco, pois
não vai faltar político e jornalista pregando que devemos abrir as pernas e
fazer o que a China mandar, em nome do tal pragmatismo e dos interesses
comerciais.
No que depender dessa turma, o
Brasil será uma província chinesa. Os envolvidos no projeto podem até ficar
ricos, mesmo bilionários. Mas cabe lembrar do destino de outros bilionários
chineses: uma vez feito o pacto com o Diabo, ele é eterno. Quem paga uma vez ao
chantagista nunca mais se livra dele.
Título, Imagem e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, nº 44, 22-1-2021
https://www.caoquefuma.com/2021/01/chantagem-chinesa.html#more
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