Sua quarta viagem ao exterior foi a mais traumática e
violenta possível , se tratava da expulsão da família imperial devido a
proclamação da República por meio de um golpe militar com ações pela madrugada
enquanto o povo dormia .
Todos familiares foram expulsos com a roupa do corpo , a
Imperatriz do Brasil Dona Teresa Cristina , não pode nem levar uma maleta com
algumas mudas de roupas para trocar no decorrer da viagem .
Seu neto e grande amigo Pedro Augusto que já sofria de
esquizofrenia e tinha melhorado bastante graças as visitas do doutor Freud e
ajuda de discípulos de Alan Kardec , teve um novo surto , talvez o pior de
todos de sua vida , tentando jogar se ao mar gritando por socorro e amordaçado
por militares a mando de Deodoro .
Pombos com mensagens e bilhetes de ajuda dentro de garrafas
foram jogados em meio a saída da baía de Guanabara e até mesmo em alto mar ,
foram inúteis , mesmo com algumas garrafas que chegaram ao litoral carioca ,
paulista , cearense e baiano dias depois...
O povo acordou no dia seguinte com tropas militares
desfilando e espancando a população que em estado de choque não entendia o que
estava acontecendo .
Vários artistas e intelectuais da música , do teatro ,
jornalistas , escritores , poetas foram exilados para Angola e Amazônia .
Além do começo de uma grande ditadura e o rompimento de
todos os processos sociais de melhoria da vida dos recém libertos da abolição e
o fechamento dos principais jornais da época que começaram a sofrer severa
censura por tempo indeterminado.
Passados 128 anos da chuvosa madrugada em que a família
imperial brasileira embarcou em um navio rumo ao exílio, o melancólico fim da
monarquia ganha um relato tingido de tristeza na voz de uma protagonista da
história – Maria Amanda Paranaguá Dória, a baronesa de Loreto.
Seu diário, esquecido nos arquivos do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), no Rio de Janeiro, narra com riqueza de detalhes
a jornada para a Europa do grupo que tinha à frente o já ex-imperador Pedro II
– material que, recuperado recentemente, constará em um livro comemorativo da
instituição.
Outros diários conhecidos versaram sobre a viagem, inclusive
um do próprio dom Pedro. Mas das impressões de Maria Amanda, dama de companhia
da imperatriz Teresa Cristina (chamada de Amandinha no círculo imperial),
resulta uma visão particularmente tocante.
O primeiro caderno, de 120 páginas, se encerra com o momento
carregado de dor em que dom Pedro chora a morte de Teresa Cristina, três
semanas após o desembarque em Portugal.
“Esse tipo de diário é raríssimo, já que poucas mulheres
registravam suas memórias no Brasil imperial, e tem o mérito de documentar um
importante capítulo da história sob o calor da emoção”.
O barão e a baronesa de Loreto acompanharam o imperador no
exílio por vontade própria, em demonstração de fidelidade. Juntaram-se à
comitiva de duas dezenas de integrantes que, dois dias depois de proclamada a
República, se dirigiu ao cais em tom de marcha fúnebre, embalada pelo silêncio
do Rio de Janeiro que dormia.
Foram de lancha até o cruzador Parnaíba e, nele, até a
enseada do Abraão, na altura de Angra dos Reis, quando se transferiram para o
vapor Alagoas. “O mar estava um pouco agitado e, temendo enjoo, que me é
inevitável, fui entrincheirar-me no beliche, onde me deitei com vivas saudades
e lembranças de origens diversas”, anotou a baronesa na primeira de vinte
noites ao mar.
Em escrita simples e clara, ela destaca a nostalgia e a
resignação dos passageiros, sobretudo de dom Pedro. Quase todas as menções a
ele são acompanhadas da palavra “saudade”.
Não se discutia política a bordo, só literatura. Ali, dom
Pedro manteve o hábito das rodas de leitura noturnas, às quais ele próprio
batizou de “conversações saudosas”.
A vida relativamente simples que a família imperial levava
no Rio de Janeiro se reproduzia a bordo.
Não havia festas, banquetes ou roupa de gala; no dia do
aniversário do imperador, 2 de dezembro, abriu-se uma garrafa de champanhe, de
que todos compartilharam. Ele ergueu-se com a taça em riste e disse: “Brindo à
prosperidade do Brasil”.
A imperatriz não participou; sentia-se mal. “As outras
senhoras estavam mais ou menos enjoadas e nem se mexiam nas suas cadeiras”,
ressalta a baronesa.
Dom Pedro fazia pouco-caso da maioria dos rituais, mas,
mesmo assim, segundo o diário, os almoços e jantares eram servidos sobre uma
mesa miseravelmente aparelhada, e a princesa Isabel vivia escoltada por seus
filhos.
A falta de dinheiro impedia que o imperador, como era seu
costume no Brasil, fizesse doações.
Amandinha relata que, numa escala na ilha de São Vicente, em
Cabo Verde, ele fez questão de dar metade de todo seu pouco dinheiro a um
padre, para que distribuísse aos pobres.
A baronesa de Loreto também se estende sobre um dos maiores
motivos de preocupação a bordo do Alagoas: o comportamento do neto mais velho
do imperador, Pedro Augusto.
Preparado desde criança para assumir o trono, Pedro Augusto
– que tinha tendências paranóicas e viria a ser encerrado em um manicômio –
sofreu surtos psicóticos, os quais os demais passageiros atribuíam à aflição
que lhe causava a movimentação do navio encarregado de fazer a segurança do
Alagoas.
“Todas essas manobras só têm servido para assustar o príncipe
dom Pedro Augusto, que, desde ontem, sofre de super excitação nervosa, se acha
possuído de pânico e pensa que estamos todos perdidos e não chegaremos a
Lisboa.
O seu estado é lastimável”, registra o diário.
Também a imperatriz Teresa Cristina viajava adoentada. Ela
logo morreria vitimada por um infarto. A baronesa lança parte da culpa na
República:
“Desde que saiu do Brasil, ela mostrava-se impressionada
pelos horrorosos acontecimentos tão sabidos. Eles, sem dúvida, concorreram para
a sua morte”.
A cena mais pungente descrita no diário é justamente a morte
da imperatriz em um hotel simples da cidade do Porto, para onde havia se
retirado.
Dom Pedro II tivera uma amante; a condessa de Barral,
manteve um romance de 35 anos que continuava vivo naquele momento.
Mas, no quase meio século em que esteve casado com Teresa
Cristina, apegara-se a ela e tratava-a com ternura.
“Antes de soldar-se a urna, o imperador quis despedir-se da
imperatriz e mandou chamar a todos nós para fazermos também nossas despedidas”,
escreveu a baronesa.
“Não se pode descrever a dor dos príncipes e a nossa.
Beijamos-lhe a mão e choramos copiosamente sobre o seu corpo sem vida.” O
próprio dom Pedro, normalmente contido em suas reações, não esconde a tristeza.
“Ele abraçou a sua muito amada esposa soluçando e foi logo
retirado dali pelo Mota Maia (médico da família). A princesa beijou sua santa
mãe repetidas vezes; o mesmo fizeram os príncipes, e nós beijamos a mão de
nossa imperatriz, que fora sempre tão boa e carinhosa.”
O choro de dom Pedro era também por ele, que acabou morrendo
dois anos depois, aos 66 anos, de pneumonia, em um modesto hotel de Paris pago
por amigos onde viveu o fim de seus dias.
A baronesa de Loreto voltou com o marido ao Rio de Janeiro,
onde morreu em 1931, aos 82 anos, sem jamais publicar seu relato da viagem que
mudou tantas vidas e que agora, enfim, vem à tona.
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Fonte: Biblioteca Nacional, IHGB, bibliografia José
Murilo de Carvalho e Diário Baronesa de Loreto.
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