É claro que a Lava-Jato exagera, mas os políticos corruptos continuam exagerando
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
A
palavra “mensalão” apareceu na imprensa em setembro de 2004, utilizada pelo
então deputado Miro Teixeira, para explicar aquilo mesmo que seria provado mais
adiante: que o PT montara um sistema para remunerar aliados. Miro repercutia,
para o “Jornal do Brasil”, uma reportagem de capa da revista “Veja”, na qual se
dizia que o PT comprara o apoio do PTB por R$ 150 milhões. O assunto, aliás,
circulava no Congresso.
Pois
parece que os próprios deputados sérios não colocaram muita fé no caso. Meio
que deixaram para lá. Políticos e jornalistas tiveram comportamento semelhante.
Eis o que se dizia: isso não vai dar em nada, corrupção sempre ocorreu, é coisa
pequena, um problema moral, não político, muito menos econômico.
UMA FILMAGEM –
Talvez tivesse ficado mesmo por aí se um empresário de bronca com sua situação
não tivesse filmado um diretor dos Correios embolsando a mixaria de três mil
reais, mas contando que o esquema funcionava sob o comando de Roberto
Jefferson, então deputado federal e presidente do PTB.
A
revista “Veja” publicou a história em maio de 2005. Seguiram-se alguns meses de
embates políticos, com a oposição tentando instalar uma CPI, e o governo Lula
tentando abafar o escândalo. Lá pelas tantas, Roberto Jefferson, como ele mesmo
disse, desconfiou que o PT estava armando contra ele.
A
jornalista Renata Lo Prete, então na “Folha”, sabendo do que se passava nesses
bastidores, conseguiu a entrevista que mudou tudo. Jefferson contou como
Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, pagava 30 mil mensais a deputados, em
troca de votos para o governo. Isso foi em junho de 2005.
PREÇO FIXO –
O mensalão era, digamos, oficializado nesse valor — R$ 30 mil/mês. Também era
mixaria, como se saberia depois, mas Jefferson apresentou o operador do
esquema, o publicitário Marcos Valério, dono de agências em Belo Horizonte.
Tudo
apareceu como o “escândalo dos Correios”, objeto de inquérito na Justiça
Federal de Minas e de uma CPI no Congresso.
Políticos
e empresários apanhados, quando perceberam que não havia como negar a
distribuição de dinheiro, contrataram os mais conhecidos advogados
criminalistas, liderados por Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula.
Estes definiram uma linha de defesa: o dinheiro era para campanhas eleitorais,
o famoso caixa 2 ou, como inventou Bastos, “recursos não contabilizados”. Ou
seja, uma pequena infração eleitoral, a ser resolvida com uma revisão da
contabilidade dos partidos e, talvez, algumas multas.
SETE ANOS DEPOIS –
Da CPI resultaram as cassações de José Dirceu e Jefferson — e o Congresso
queria parar por aí. Na Justiça, em julho de 2005, o processo foi para o
Supremo Tribunal Federal, por causa do envolvimento de pessoas com foro
privilegiado.
Ainda
se dizia: não vai dar em nada. E como o inquérito se arrastava, parecia mesmo
que seria mais um daqueles casos que morreriam nas gavetas do tribunal. Demorou
sete anos nisso, mas em agosto de 2012 o Pleno do STF começou o julgamento, sob
a liderança do então presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa. Terminou em
março de 2014, com a derrota fragorosa das grandes bancas de advocacia.
Os
“recursos não contabilizados” viraram lavagem de dinheiro. Caixa 2 passou de
infração eleitoral para crime grave. A distribuição de dinheiro foi atribuída a
uma quadrilha. Em resumo, sofisticado roubo de dinheiro público.
LAVA JATO –
Ainda era pouco. Nesse mesmo março de 2014, a Lava-Jato se mostrava ao país,
com a primeira operação de vulto. Foi preso Paulo Roberto Costa, ex-diretor da
Petrobras, que viria a ser o primeiro delator. Aparecia o instituto da delação
premiada, tão contestado, de novo, pelas grandes bancas. Não era mais coisa de
R$ 30 mil/mês, mas de bilhões de dólares.
Mas
por que estamos contando isso tudo? Porque, de novo, estão dizendo que a
Lava-Jato é uma armação para tirar Lula da política. Que a Lava-Jato exagerou,
é óbvio, mas como poderia pegar esse bando de ladrões ilustres e poderosos?
Pensando
bem, não é a Lava-Jato que exagera. “Eles” exageraram, e continuam tentando
derrubar a operação.
(artigo
enviado por Mário Assis Causanilhas)
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