A igualdade cubana, o charuto do Chê e a rabada do compadre
sábado, 22 de dezembro de 2018
Pedro Frederico
Caldas
A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra
capaz de a tornar um fato.
Balzac
Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar.
Drummond
Rabo e conselho só se deve dar a quem pede.
Stanislaw
Ponte Preta
A soma de tudo compõe o mundo. Muitas vezes, coisas aparentemente
desconexas, diametralmente contrárias, ou simplesmente diferentes se harmonizam
para compor algo novo. Homem e mulher são diferentes; juntos, fundam uma
família.
A essa altura os apressadinhos hão de dizer que estou viajando na
maionese, enrolando, mandam que eu tome tenência e entre logo na rabada do
compadre. Calma, gente, nada de afogadilho, que a rabada do meu compadre é
iguaria fina. Para degustá-la, como dizem os evangelhos, muitos serão chamados,
poucos os escolhidos.
Tenho um compadre sem igual. Chico Torres! Pensem numa pessoa
maravilhosa. Companheiro leal, presença sempre festejada, o amigo que todos
gostariam de ter. Dentro de uma linguagem rebuscada, condoreira, de discurso de
festividade no trabalho, em dia de promoção, pode ser definido como “um caráter
sem jaça”.
Além de todos esses maravilhosos predicados, é senhor e legítimo
possuidor de uma ativo sentimental inigualável, a minha comadre Léo, sua eterna
e querida companheira, de voz e atitudes budísticas, verdadeira rainha do lar e
quituteira que só ela. Para complementar esse conjunto virtuoso, deu-me uma
afilhada, um docinho por Deus transformado em gente e que batizei de Renatinha.
Esse compadre, para não atingir a perfeição do santo, que santo é
algo próximo da loucura, é teimoso que ele só, e, assim como eu, gosta de remar
contra a maré. Neste ponto, somos duas figuras empedernidas. Ele tem uma grande
dívida para comigo, nunca veio a estas plagas dar uma olhada como estou levando
a vida, neste vale de lágrimas, para degustarmos uma boa rabada. Diz que não
consegue ficar oito horas viajando de avião sem fumar. Toma tenência, compadre
Chico!
Ele adora uma rabada! Para degustar um bom rabo vai de joelhos
aonde for servida. É um caso para estudo. E, neste exato ponto, estamos de novo
de mãos dadas. Sou vidrado nessa iguaria, principalmente quando feita por Nilo
ou por Alex, meus amigos.
Dentre as pessoas que de tempos em tempos me visitam, há uma amiga
maravilhosa, chamada Iara, quando em estado normal, quando está zangada ou
levitando – sim, ela levita! -, usa o segundo nome, Walkiria. É responsável
pelos banquetes do Palácio da Liberdade, lá nas alturas majestosas da República
de Curitiba, onde o Brasil está sendo passado a limpo.
Certa feita, estando aqui na humilde vivenda de Nêga, de que sou
mero hóspede, sabendo que tenho o mesmo atavismo gustativo do meu compadre,
ensaiou fazer uma rabada. Disse a ela “calm down, take it easy” e vamos até
ali. Fomos todos comer uma rabada num restaurante cubano, simples e
maravilhoso, chamado Señor Café. Um prato de rabada, acompanhado de arroz,
plátanos maduros e feijão preto maravilhoso, feito com umas pitadas de cominho,
custa somente treze dólares.
Após nos refestelarmos, ela sentenciou que, realmente, era perda
de tempo se preparar em casa uma rabada, havendo uma tão próxima, tão boa e tão
barata.
Expliquei a ela que em todos os restaurantes cubanos que frequento
(Señor Café, Touch of Cuba, Café Versailles, La Carreta, Little Havana, El
Padrino....), em qualquer dia da semana, se pode comer uma rabada maravilhosa,
a preço módico.
Em termos de rabada, façamos uma breve pausa, que voltarei ao rabo
do compadre.
A esquerda, quanto mais radical, mas igualitária. Ela acena a
todos com a promessa da criação do paraíso na terra, através de uma imposta
igualdade absoluta entre as pessoas. O dístico, a formulação matemática do
comunismo, inscrito no Manifesto Comunista, lavrado a quatro mãos por Marx e
Engels, resume-se no “a cada um segundo sua necessidade, de cada um segundo sua
capacidade”. A sociedade perfeita, o paraíso na terra, seria a em que cada um
retiraria do produto social aquilo que estritamente necessitasse e, em
contrapartida, daria a todos o máximo de sua capacidade.
Não seria uma maravilha? Claro que seria. Como também seria
maravilhoso se todos pudéssemos ter iate, avião, casa de veraneio, conta
bancária recheada, algumas mulheres deslumbrantes no entorno, ou escrever no “Cão Que Fuma”,
sem nos esquecermos que às mulheres seriam concedidos acompanhantes como
Humphrey Bogart, ou Marcelo Timbó Nilo.
Deus não fez a natureza perfeita. Olhem para seus relacionamentos
ou conhecimentos. Há alguém - filho, primo, amigo, patrão, empregado, vizinho
-, exatamente igual a outra pessoa? As pessoas já nascem diferentes
fisicamente: altos, baixos, bonitos, feios, gordos, magros, boa voz, péssima
voz, para não falar dos que estão num plano medianeiro. No plano das aptidões,
então, a coisa ganha uma diversidade fantástica. Já pensaram se o mundo fosse
feito de Einsteins, se todos ficassem mirando os astros e pensando e
equacionando o universo? Quem iria varrer a casa, fornecer o pão, o leite,
dirigir o ônibus, manejar a estrovenga, ou mergulhar em mares bravios para
manter plataformas de petróleo? Não, meus amigos, a diversidade entre as
pessoas, física e mentalmente, é tão visível que dispensa maior esforço
demonstrativo.
E a igualdade, onde fica? Ela não é boa? Talvez essencial?
Como é impossível padronizar física e mentalmente o ser humano, a
liberdade e a democracia, que não se confundem, ofertam a igualdade perante a
lei. Cada um produz aquilo que sabe fazer de melhor e, em contrapartida, aufere
os bens da vida na proporção direta daquilo que foram capazes de produzir.
O comunismo, ou socialismo, ou o nome que melhor queiram dar,
acena a todos com a igualdade material. Isso é tentador, principalmente quando
se desce na escala das possibilidades individuais. Já pensou a tentação que
isso causa a uma pessoa de capacidade limitada quando olha para aquilo que
realizou alguém de capacidade ímpar? Para confortá-lo, o mundo teria o seu
signo, o mais baixo da escala das possibilidades, das potencialidades.
É por isso que o filósofo Roger Scruton, num ensaio intitulado “A
Tentação Totalitária”, faz um estudo sobre o ressentimento na política com o
seguinte apontamento: “Vejo o ressentimento como uma emoção que aparece em
todas as sociedades, por ser um resultado natural da competição em busca do
lucro. As ideologias totalitárias são adotadas porque racionalizam o
ressentimento e unem os ressentidos em torno de uma causa comum” (Uma Filosofia
Política – Argumentos para o Conservadorismo, 2017, Ed. É Realizações, p. 186).
Depois de analisar a atração do ressentimento nas massas,
arremata, com a profunda argúcia de sempre, que “Não há nada mais reconfortante
para os ressentidos que esta ideia: as pessoas que possuem o que eles invejam
possuem-no injustamente” (p. 187). Atentem bem para a base desse pensamento.
Como muita gente realiza mais do que eu porque, de uma forma ou de outra, são
ou foram mais capazes, reconforta-me e massageia meu ego a mensagem redentora
da esquerda, se ressentido sou, que quem conseguiu mais do que eu não é mais
capaz, conseguiu por força de uma difusa e nunca explicada injustiça.
Já fui jovem e também já militei na esquerda. O verniz de uma
pseudo-intelectualidade, aliado a uma abrasiva inquietação, com uma pitada de
insegurança quanto ao futuro, tornam esse tipo de jovem uma presa fácil para as
ideias totalitárias. Para eles o progresso coletivo não é a soma do progresso
de cada um, torna-se uma questão de decisão política, uma condição lapidada na
frase mais canhestra que conheço, em termos de proposições políticas, “a
vontade política”!
A “igualdade socialista” foi tentada em todos os continentes, em
dezenas de países, em estágios os mais diversos, em línguas e climas
diferentes. Em todas as hipóteses foi um retumbante fracasso. Ela tende a se
nivelar no patamar dos menos capazes. Quando falo capacidade, não me detenho só
nas habilidades de alguém, mas nas habilidades aliadas à disposição de
aplicá-las ao máximo. Não adianta se ter grandes habilidades físicas e mentais
se inerme se quedar.
O mundo comunista colapsou em razão de suas próprias contradições,
para usar uma palavra eminentemente marxista. O mundo assistiu abismado o desmoronamento
de uma monstruosidade política, após essa monstruosidade, a título de a todos
nivelar e salvar os pobres, ter matado cem milhões deles!
A China usou do que restava de sua milenar sabedoria, já no fim
dos Anos Setenta, bem antes do colapso dos outros países comunistas, reconheceu
a propriedade privada dos meios de produção, iniciou um acelerado processo de
desestatização e abraçou os princípios da liberdade de mercado. O resultado
disso foi uma explosão de crescimento. Esse exemplo chinês talvez seja a maior
vitória do capitalismo em toda a história.
Agora vamos ao caso de Cuba. Gabam-se “os jovens de esquerda” que
em Cuba não há crianças de rua, nem crack, nem analfabetismo, nem fome. Salvo a
questão do analfabetismo e da fome, que veremos adiante, o resto é verdade.
Nenhum regime totalitário tolera criança de rua e drogas em geral. As leis são
duras. Há pena de morte e prisão com trabalhos forçados. A questão é resolvida,
como se diz, “no pau”.
Nos países democráticos há uma tolerância muito grande com a
droga. Os usuários estão encastelados nos meios de comunicação, no judiciário,
nos parlamentos, nas escolas e academias, para não falar do meio artístico. Há
apologia do uso de drogas nas músicas, nos filmes, na televisão etc. Os usuários
são tratados como coitadinhos. Quando se começou uma campanha no Rio de Janeiro
sublinhando que o usuário de droga era responsável pela existência do crime
organizado e da violência, a imprensa e o meio artístico se levantaram dizendo
que estavam criminalizando as vítimas das drogas. Na verdade, no meio desse
“beautiful people”, criados com talco Ross e Toddynho, as drogas são usadas
recreativamente e alimentam a cadeia econômica de que se serve o tráfico, a
principal desgraça do Brasil. De forma sub-reptícia, eles dão, como não poderia
ser de outro modo, cobertura aos traficantes, seus fornecedores. Mas, não há
nada que leis duras não possam fazer refluir esse quadro tétrico.
Criança de rua era considerado um problema incrível em São Paulo.
Todo o dia a televisão tratava do assunto. O tema sumiu. E sabem por quê?
Porque a USP e a Pastoral da Criança da Igreja Católica fizeram a contagem. Uma
achou cerca de novecentas crianças de rua e a outra, cerca de seiscentas, numa
população de cerca de dezoito milhões de pessoas (a chamada grande São Paulo).
Cerca de oitenta por cento tinham pai e mãe e viviam em casa de tijolo e
alvenaria. Havia mais gente e instituições dedicadas ao problema do que
crianças de rua para cuidar! Reduzido à sua devida proporção, o problema sumiu
do noticiário.
Drogas e crianças de rua, como já dito, desaparecem nos regimes
totalitários, pelo uso bruto da força.
Não havia nenhum problema desses na Alemanha nazista, na Rússia
comunista, como não há na Coreia do Norte e em Cuba, assim como também não há –
avisem os jovens esquerdistas disso! -, em países desenvolvidos, onde o ser
humano é tratado com dignidade e não usa cabresto.
Analfabetismo não há em nenhum país desenvolvido, pelo menos em
percentual estatisticamente relevante. Fome em país capitalista avançado, nem
pensar. E observem bem que a epidemia de drogas e o alcoolismo poderiam
conduzir uma quantidade considerável de pessoas à completa indigência. Mas as
redes de assistência social, privada e estatal, não deixam que haja alguém
caído de fome nesses países. E para isso não há necessidade de
esmagar a soberania do ser humano ou de lhe tirar o livre arbítrio, reduzir as
pessoas a meros escravos do Estado, enfim, transformar a nação em um ambiente
de pessoas sem futuro, sem possibilidades de exercer as suas habilidades até o
limite de suas capacidades.
O que esses jovens de esquerda não conseguem explicar é porque as
pessoas fogem desse paraíso que só existe em suas convicções deturpadas, sem
nenhuma conexão com a realidade palpável, para países que, em sua visão vesga,
o trabalhador que tem casa, carro e todas comodidades da vida moderna, não
passa de um pobre diabo explorado por capitalistas malvados, esses mesmos
capitalistas que criaram essa maravilha de meios eletrônicos que eles usam para
difundir teses e ideias tão bizarras.
Em Cuba, a pessoa não cai de fome, mas nem de longe tem a dieta de
um pobre de país capitalista. O trabalhador cubano alcançou a igualdade na
penúria. Por mês, vale as baforadas de um charuto desses que o Che
Guevara está, na foto abaixo, garbosamente fumando.
Voltando ao início destas reflexões, contarei a vocês episódio que
vivenciei.
Em razão de minhas atividades empresariais, tive como prestadora
de serviço uma cubana, pessoa maravilhosa. Seus pais vivem em Cuba e ela, nos
Estados Unidos, lógico. Sempre que no meio de nossas atividades parávamos para
almoçar, dava preferência, porque gosto e porque ela era cubana, a um dos
restaurantes cubanos acima apontados.
Como meu compadre, sou chegado a uma rabada, chamada pelos
hispânicos de “rabo encendido”. Minha comensal e eu nos refestelávamos com essa
iguaria, o “rabo encendido”, nossa velha e conhecida rabada.
Numa dessas oportunidades, disse a ela que tinha a curiosidade
intelectual de conhecer Cuba, o que faria logo que os Estados Unidos
reestabelecessem relações diplomáticas com aquele país. E acrescentei que em
Cuba iria a um restaurante para comer um “rabo encendido”. Ela me disse que
isso não seria possível porque, após a revolução, o prato, apreciado por todos,
desapareceu da dieta dos cubanos. Perguntei por quê. Ela respondeu que em Cuba
não há carne de vaca, o povo não tem condições de comer essa proteína, lá
transformada em artigo de alto luxo, coisa para gente nobre como Fidel e Che
Guevara.
Assim, a rabada tão apreciada por meu compadre, que me
compartilhou a propaganda dos sedizentes jovens de esquerda, não pode ser
degustada em Cuba, enquanto os cubanos da Flórida se banqueteiam com tal
iguaria neste inferno capitalista, onde existem drogas e drogados.
Agora me ponho a meditar: será que o povo cubano se joga ao mar,
enfrentando perigos terríveis, só para chegar ao inferno capitalista e comer a
rabada tão apreciada pelo meu compadre?
Preparando-me para ir degustar o meu, desejo aos “jovens de
esquerda” um suculento “rabo encendido”, e muito juízo; aos meus poucos
leitores, um ótimo final de semana com uma excelente rabada.
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