Reserva e reforma
O texto muito bem escrito bem poderia ter outro título: A
vala comum!
Repasso o brilhante texto do Cel Refo Av Carlos Conrado
concordando plenamente com suas colocações.
Devemos dar atenção especial ao assunto!
Todos nós na vida temos uma certeza: a de que um dia vamos
morrer. Na vida militar temos duas certezas: a de que um dia vamos morrer e a
de que um dia vamos para a reserva. Mas, para a grande maioria, da ativa, nos
parece não acreditarem que essas duas certezas vão atingí-los.
Essa ilusão começa nas escolas, onde o processo seletivo
desperta em cada um o espírito de sobrevivência. Cada indivíduo, acreditando
estar só, pouco se preocupa com o outro. E, se o outro foi reprovado, foi
eliminado, ou será desligado, isso não poderá atingí-lo.
É uma etapa de cada um por si, da busca pela sobrevivência
no sistema e assim, fica somente Deus olhando por todos. Isso irá refletir lá
na frente, nos cursos, nas promoções e também na passagem para a reserva.
Quando deixam a ativa, aqueles que ficam passam a ver os que
se foram de uma forma bem diferente, e esses passam a ser aqueles velhinhos
ultrapassados, que ficam querendo ver o passado retornar, que ficam pensando
que no seu tempo era melhor, que só eles têm soluções para melhorar todos os
problemas atuais e que em seu tempo de caserna não foi possível resolver.
Aí começa então a discriminação para com aqueles que legaram
à Força muito do seu esforço, do seu conhecimento, da sua capacidade e dos seus
momentos que seriam para o lazer. Surge então a intolerância.
É que esses velhinhos nunca são chamados, atualizados ou
reciclados, e, apesar de serem reservistas, nem sempre são sequer lembrados.
Pelo contrário, para entrar nos quartéis já não lhes basta a identidade
funcional. Têm que assinar listas de entrada e saída, têm que apresentar
certificados de habilitação, têm que colocar crachás. Mesmo quando
identificados, já não recebem os devidos comprimentos e até parece que, ao
passarem para a reserva, perderam as suas patentes ou graduações.
Os da ativa já não cultuam o passado. Em algumas unidades,
para adentrarem as instalações até necessitam ser acompanhados. E, para esses
esquecidos não adianta terem sido preparados previamente, pois, a cada ato
desses, aumenta cada vez mais a vontade de não mais voltarem aos quartéis. O
que antes era uma satisfação, se transforma em uma obrigação e em uma
chateação.
Quando antes tínham a alegria de voltar; de relembrar; de se
atualizar; de matar a saudade dos velhos tempos; de ouvirem os hinos, a corneta
e os sons da ordem unida; nesse instante passam a sentir na pele que não mais
pertencem a esse mundo. Deixou de existir aquele tempo em que foram militares,
tamanhas as barreiras que estão lhes sendo impostas. Para falar com colegas que
eram mais modernos, e hoje são mais antigos, aí então é uma dificuldade.
Normalmente, para alguns da reserva, são efetuados convites
para as solenidades, para outros não. Para alguns, há lugares de destaque, para
outros, por mais que se dedicaram e se esforçaram pela Força, não há espaço.
Normalmente, os da reserva adentram as unidades a procura de apoio médico,
buscando serviços odontológicos e até para sanarem dúvidas relativas aos
numerários, ou para as apresentações anuais. Essas, agora já não são feitas
dentro dos quartéis.
As seções foram de forma premeditada colocadas fora dos
quartéis. A nosso ver, mais uma forma de afastar da caserna aqueles que um dia
a ela pertenceram. Sendo assim, não é a passagem para a reserva ou a
aposentadoria que provocam mudanças drásticas nos indivíduos. Muitos continuam
em atividade, conquistam novos amigos, aprendem novas profissões e se inserem
em novos grupos sociais e até em novo estilo de vida. Mas é na caserna que está
o seu alicerce, o seu porto seguro, a sua base.
Mas são esses novos conceitos e formas de tratamento dos
tempos de mudanças; que desequilibram os indivíduos. Aquela sociedade que lhes
dava total segurança, agora os discrimina. Isso os desequilibra, tira-lhes o
chão, desarticula o seu vínculo com o passado e, não só os diferencia, mas
apaga o passado e entristece. Os reservistas nunca vão se anular como sujeitos,
nem vão perder os valores aprendidos, mas vão se sentir desprestigiados,
principalmente com aqueles de seu grupo social que ora lhes vira as costas, que
não reconhece o seu esforço de anos e anos despedidos para a organização, e
porque não para próprio grupo.
O despertar para um amanhã onde o passado não mais existe é
o verdadeiro fator de desequilíbrio. O futuro também é uma incógnita. Nesse
Brasil, onde assistimos desonestos serem absolvidos, onde não se precisa mais
trabalhar para auferir ganhos, onde a dedicação não é mais fator de
estabilidade e não há reconhecimento daqueles que nos precederam, o futuro é
sempre incerto. Aí sim, vêm à tona que a reserva é uma passagem que necessita
ser pensada, estudada e reformulada.
Temos que preparar certamente aqueles que estão na ativa
para a tratativa daqueles que estão na reserva, pois a manutenção do “status
quo” é uma dúvida e hoje nem sempre o trabalho dignifica o homem. Será que a
frase “Hommine lupos homine” não se aplicaria melhor?
- A dura aposentadoria dos militares
Carlos Conrado Pinto Coelho - Coronel Aviador da Reserva
Comentários
Postar um comentário