A Val de Flávio Dino
Valquíria
dos Santos vende mingau de milho na sua lojinha da periferia de São Luis, mas
no seu endereço “funcionava” uma empresa de vídeo fantasma para onde o
governador Flávio Dino destinou verbas de R$ 1,3 milhão na campanha de 2014
24/08/18 - 09h00
O MINGAU DA VAL Val tem um comércio humilde em São Luis (MA), onde vende mingau de milho (Crédito:Divulgação)
Com um discurso centrado no combate à corrupção e privilégios, o
candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, vem cortando um dobrado para
explicar por que tinha uma funcionária em seu gabinete, Walderice Santos da
Conceição, que vende açaí na Vila de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), na hora
do expediente — popularmente conhecida como Wal do Açaí. No Maranhão, ISTOÉ
localizou outra Val, que deverá dar dor de cabeça a outro candidato, o
governador Flávio Dino (PCdoB), aspirante à reeleição. Valquíria dos Santos é
personagem de uma representação contra Dino que tramita na Procuradoria Geral
da República (PGR). De acordo com a denúncia, Dino teria utilizado uma empresa
de fachada para dissimular a destinação de R$ 1,3 milhão recebidos na sua
campanha para governador em 2014. As notas fiscais para justificar o pagamento
foram emitidas por uma produtora de vídeo que funcionaria num modesto sobrado
de um bairro da periferia de São Luís. No local, não funciona nem nunca
funcionou produtora de vídeo. O que lá existe é uma pequena quitanda, que vende
alimentos e onde, à noite, Valquíria, a Val de Flávio Dino, vende mingau de
milho. De dia, comercializa picolés.
Produtora fantasma
A representação foi movida por um blogueiro do Maranhão, Caio
Hostílio, ligado ao grupo de José Sarney, cuja filha, Roseana, disputa com Dino
as eleições. Poderia ser mera querela política local se não houvesse de fato
elementos que apontam para irregularidades na prestação de contas do
governador. Na campanha de 2014, Dino apresentou à Justiça Eleitoral duas notas
para a empresa Aldo Oberdan Pinheiro Montenegro–ME, um empreendimento com
capital social de R$ 30 mil —, para justificar o gasto de R$ 1,3 milhão feito
junto à suposta produtora de vídeo.
Segundo a representação, no dia 9 de julho de 2014 o Comitê
Estadual do PCdoB recebeu créditos da ordem de R$ 1,3 milhão. No mesmo dia, o
Comitê de campanha de Dino repassou igual valor à empresa Aldo Oberdan por meio
do pagamento de duas notas fiscais, uma de R$ 800 mil e outra de R$ 500 mil.
Como endereço da empresa, constava o sobrado amarelo no bairro Tirirical, na
periferia de São Luis.
ISTOÉ esteve no local. Ali moram pessoas humildes, e nenhuma
delas sabe operar uma câmera de vídeo. Em vez de produtora, o que existe ali é
um pequeno comércio, que vende apenas produtos enlatados, itens de limpeza,
picolés baratos e água mineral. À noite, Valquíria dos Santos, de 31 anos, a
Val de Flávio Dino, a dona do comércio, aumenta sua renda vendendo mingau de
milho. Quando dá tempo, ela também faz churrasquinhos.
Val é conhecida na região. Não como comunicadora, mas pelo sabor
de seu mingau. Ela mora no sobrado desde criança. Viu a localidade crescer e
hoje está desempregada, motivo pelo qual resolveu criar a pequena lojinha que
toca com a mãe. Campanha política? Val nunca fez. “Só vejo pela TV”, disse Val.
Obviamente, ela não tem a menor ideia do destino dos R$ 1,3 milhão que tinham
como endereço uma firma “instalada” na sua casa. “Se tivesse pelo menos uma
parte desse dinheiro, eu não estaria aqui com este comércio. Estaria em um spa,
cuidando da beleza”, brincou Val, em conversa com ISTOÉ.
Aldo Oberdan, pelo menos, é alguém que existe, de fato. É
funcionário do governo do Maranhão. Na época da suposta contratação do serviço,
recebia da Secretaria de Saúde do Maranhão um salário de R$ 2,7 mil. Oberdan
até faz vídeos para complementar sua renda. Não para campanhas, mas de festas
de aniversário e casamentos, por valores irrisórios. Em sua defesa, Oberdan
afirmou que, na realidade, emprestou o CNPJ de sua empresa para outra pessoa,
Carlos Miranda, empresário do meio de comunicação que também já fez serviços
para o governo maranhense. “Eu não sabia que na época da campanha, eles (PCdoB)
tinham feito um depósito no nome da empresa”, explicou Aldo ao MP. “Não dei
autorização para que meu nome fosse usado dessa forma”, complementou.
O comitê estadual do PcdoB destacou que o episódio “é mais um,
dentre tantos outros, patrocinados pelo grupo político que dominou por mais de
50 anos o Maranhão e que tenta macular o processo eleitoral, em face da
iminente derrota”. Pode até ser que o caso tenha sido explorado pela família
Sarney, mas está cada vez mais difícil para Flávio Dino explicar por que a
produtora da campanha foi parar na casa da Val, a moça do mingau do bairro
Tirirical.
A “laranja” do governador
> Segundo denúncia, no dia 9 de julho de 2014, o diretório
do PCdoB do Maranhão, que patrocinava a candidatura de Flávio Dino, recebeu
créditos de R$ 1,3 milhão. No mesmo dia, repassou igual valor à empresa Aldo
Oberdan Pinheiro Montenegro – ME
> A empresa de Oberdan fazia vídeos de casamentos, mas nesse
dia emitiu duas notas fiscais para o comitê de campanha do PCdoB-MA: uma de R$
800 mil e outra de R$ 500 mil. Nas notas fiscais, o valor era referente ao
pagamento de “produção de material audiovisual para veiculação no horário
eleitoral gratuito n rádio e TV”
> À Receita, a empresa disse funcionar no bairro Tirirical,
periferia de São Luis, mas na verdade lá funcionava e ainda funciona um
mercadinho que vende mingau à noite e sorvete e outros mantimentos de dia,
pertencente à Valquíria dos Santos, a Val de Flávio Dino
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