Em aula magna de hipocrisia, Fachin queria reprimir a ação política de pastores evangélicos
J.R. Guzzo
Estadão
Virou coisa rara, no Brasil, ver os tribunais mais elevados da Justiça tomarem alguma decisão decente e, por isso mesmo, vale a pena aproveitar o bom momento que acaba de nos ser proporcionado pelo Tribunal Superior Eleitoral – ao rejeitar o ataque mais maligno à liberdade religiosa já tentado em tempos recentes por uma autoridade pública.
A autoridade é o ministro Edson Fachin, do TSE e Supremo Tribunal Federal, que pretendia criar a possibilidade de cassar os mandatos de quem cometesse “abuso religioso”, em apoio a uma tentativa nesse sentido feita pelo Ministério Público Eleitoral de Goiás.
UMA IDEIA INEPTA – Do ponto de vista jurídico, a ideia é grosseiramente inepta: não pode haver punição sem que o punido tenha praticado um crime previamente previsto em lei, e não existe nenhum crime de “abuso de religião” previsto em qualquer código legal em vigor neste país.
Os crimes eleitorais que se pode cometer já estão previstos na legislação existente; o MP e Fachin não podem inventar um delito novo. Do ponto de vista político, a tentativa de cassar mandatos de pessoas eleitas pelo voto popular livre, porque os magistrados não gostam da religião do cassado, é exatamente o que parece: um ataque totalitário às liberdades individuais e à democracia.
Esse episódio é também uma aula magna em matéria de hipocrisia e de falsificação de propósitos.
AÇÃO DOS PASTORES – Fachin e quem embarcou neste bonde não estão minimamente interessados em punir abuso algum – o que querem é reprimir a ação política dos cultos e pastores evangélicos. O ministro não gosta da sua carga conservadora e supostamente governista. Como não pode impedir que os eleitores votem em candidatos de fé evangélica, imaginou que a solução é cassar os mandatos dos que forem eleitos. Qual a surpresa?
Esse mesmo ministro quis, um dia, dar à ONU o direito de anular leis aprovadas pelo Congresso brasileiro; ultimamente, tem dito que a eleição presidencial de 2018 não foi legítima e sugere que a de 2022 também não deveria valer, se a “alienação eleitoral” que a seu ver foi indicada pelas últimas pesquisas de opinião continuar de pé.
Como aconteceu no caso da ONU, o ministro Fachin ficou sozinho nesta sua tentativa de policiar a liberdade religiosa no Brasil e de atribuir a si mesmo o direito de decidir quais são, e quais não são, as religiões politicamente aceitáveis. Há certas coisas que a alta Justiça brasileira ainda não faz. Fachin precisará tentar de novo daqui a mais algum tempo.
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