Acorda, veterano!! – Uma algema foi rompida

 


Passadas as manifestações dos veteranos em Brasília, fica uma lição importante para todos que, de uma forma ou de outra, envolveram-se nelas. Um lacre (para não dizer uma algema) foi rompido. Principalmente por força de leis e regulamentos draconianos, habituados quase todos por trinta anos de servidão a se manterem calados independentemente das injustiças, os militares da reserva das Forças Armadas deram o seu tardio grito do Ipiranga. 

Ainda que tardio, indômito. Ainda que inaudível para alguns, irrefreável e justificado. Não pode mais ser sufocado. Mas esse grito precisa chegar não só aos ouvidos do traidor que nos obrigou a isso ou aos generais que facilmente nos descartaram como peças obsoletas e incômodas. Urge que ele chegue aos muitos veteranos que ainda estão, voluntariamente ou não, alienados das sombras que os envolveram, a partir do dia 17 de dezembro de 2019*.

Um mal-estar ronda os praças militares. Ser enxergado pelos oficiais como um tipo de posse, como um avião ou um tanque, é algo que afeta psicologicamente o indivíduo. Não é preciso que isso esteja escrito em alguma lei ou manual militar. As leis mais eficazes, as que mais tolhem os sujeitos são justamente as leis não escritas. Exemplos temos um sem número… O praça não tem o direito a ser julgado por seus pares; as sindicâncias são feitas exclusivamente por oficiais. O julgamento é exclusivo do comandante (que é um oficial). No tribunal militar, o julgamento é feito por oficiais; não há subtenentes ou sargentos no júri, mesmo o réu sendo praça. 

Os oficiais podem, e de fato o fazem, discutir a própria remuneração. Os praças não só são proibidos de discutir a remuneração da própria categoria, como devem acatar os vaticínios dos oficiais como verdades divinas. Por que existe uma lei de promoção de oficiais, mas não há uma lei de promoção de sargentos? Por que até a Constituição de 1946 os sargentos eram inelegíveis, mas os oficiais não? Todos esses e outros flagrantes abusos indicam uma tutela vergonhosa, uma sujeição vexatória de uma categoria militar sobre outra, os oficiais sobre os praças. Tais segregações legais chancelam o sentido de fruição, de possessão. Este é o ar tóxico que se respira normalmente na caserna.

Mas um dos elos da corrente que mantinha os praças militares submetidos quebrou-se com as manifestações no CIAA (RJ) e em Brasília. Não há mais como voltar atrás. Um véu se rasgou e deixou entrever que somos uma categoria própria dentro de um organismo, até então visto como amorfo e indiviso. Nada mais distante da verdade! Há uma divisão gritante entre os 82% que correspondem aos praças e o restante que são os oficiais. E essa divisão vai além da mera exigência disciplinar. Ela compreende direitos básicos como a liberdade de expressão e de representatividade. 

A liberdade de expressão, por exemplo, é um dos fundamentos de qualquer democracia que se pretenda autêntica – e não uma democracia de banana. Por lei, esse direito é negado aos militares durante todo o seu período no serviço ativo, o que é razoável. Mas em 2019 durante a tramitação do PL 1.645, os generais (os donos do parquinho) ameaçaram de prisão (!) os veteranos que se manifestassem contra a Lei proposta pelos próprios generais, e que amputou direitos dos praças! O velho estilo. Subjuga e exige silêncio! Mas como vivemos um tempo de revelação, em 2020 o grito dos veteranos falou mais alto.

O grito dado em Brasília é dirigido também aos irmãos veteranos que ainda se encontram narcotizados pela arenga tosca do oportunista profissional que nos enganou por trinta anos e que com a Lei 13.954 demonstrou que como político é um péssimo militar. A eles principalmente o nosso apelo. Que despertem do torpor causado pelo vírus mitológico (e eles sabem de que “mito” falamos) que lhes corrompeu o julgamento imparcial, característico do bom soldado. 

Passamos por muitos governos hostis aos militares, por muitos ideários sabidamente opostos aos valores da caserna, mas esta é a primeira vez que um inimigo nos atingiu de dentro, e talvez por isso, de forma mais acintosa e acachapante. Aprender com os próprios erros é sinal de inteligência, mas aprender com os erros alheios é sinal de sabedoria. 

Que o gosto travoso da traição nos sirva de instrumento para convergência de ideais. Que os veteranos traídos pelos que lhes deviam justiça acordem para este momento histórico e saibam conduzir-se pelos labirintos políticos que se lhes abrem, com a garra que só os bons militares orgulhosamente ostentam.

Acorda veterano, esta é a tua hora!!


https://portalmilitar.com.br/2020/10/26/acorda-veterano-uma-algema-foi-rompida/

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