Morre Clemente, o último chefe militar da ALN e sucessor de Marighella

Sucessor de Marighella


Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz liderou a organização que pegou em armas contra o regime militar; era músico e escritor.

A voz era rouca, mas a disposição para contar suas histórias nunca esmoreceu. E ele tinha muitas. Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, o Comandante Clemente, foi o homem que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o Destacamento de Operações de Informações (DOI) de São Paulo nunca conseguiram prender. O homem que foi o último chefe militar da Ação Libertadora Nacional (ALN), a organização fundada por Carlos Marighella, morreu aos 69 anos, neste sábado, dia 29, em Ribeirão Preto, onde vivia com sua mulher, a historiadora Maria Cláudia Badan Ribeiro.

A vida de Clemente – como até hoje ele era conhecido por seus companheiros e adversários na esquerda – é parte da história de uma geração de jovens que se envolveu na resistência armada ao regime instaurado em 31 de março de 1964. Estudante do Colégio Pedro II, no Rio, ele conheceu Marighella quando tinha 15 anos. Entrou para o Exército, de onde desertou como cabo quando servia no Forte de Copacabana. Passou para a clandestinidade e para as ações armadas. Dedicava sua sobrevivência à caçada que lhe movera os órgãos de segurança do regime à firmeza dos companheiros que – presos e torturados – não o entregaram. Para os militares que colocaram seu rostos nos cartazes de “Procura-se”, ele era um "terrorista frio e um assassino cruel". Muitos dos veteranos do DOI lamentavam que tivesse sobrevivido aos anos de chumbo e sido, depois, anistiado.

Sucessor de Marighella


Clemente nunca escondeu o que fizera: foi o homem que disparou o tiro de fuzil que abateu o empresário Henning Albert Boilesen. Um dos financiadores do DOI do 2º Exército, Boilensen foi morto por um comando da ALN e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), nos Jardins, em São Paulo, em 15 de abril de 1971. Também participou da reunião na qual a ALN condenou à morte Márcio Toledo Leite. Estudante de Sociologia, Leite era da Coordenação Nacional da organização. Seus colegas temiam que ele desertasse, levando consigo segredos da guerrilha. Clemente foi um dos quatro integrantes do grupo que o executou.

Nos anos seguintes, ele viu um a um seus principais companheiros e companheiras da organização serem presos ou mortos pelos órgãos de segurança. Participou de dezenas de assaltos a banco para levantar fundos para a organização e, em 1973, esse alagoano nascido em Maceió, em 23 de junho de 1950, saiu do Brasil e foi clandestinamente para Cuba. Era por demais visado no Brasil e sua queda e morte eram iminentes. Ali, na Ilha, manteve contatos com o Departamento América do Partido Comunista Cubano e chegou a ser convidado pelo general Arnaldo Ochoa para chefiar uma coluna guerrilheira que os cubanos queriam patrocinar no Brasil. Clemente recusou.

Aos poucos, o guerrilheiro foi deixando a luta armada. Ele só a reencontraria nos dois livros que escreveu sobre os tempos da guerrilha: Viagem à Luta Armada e Nas Trilhas da ALN, ambos publicados nos anos 1990. Clemente fez neles o acerto de contas pessoal com seus anos de comandante militar. Lamentava a morte de Toledo, mas não a de Boilesen. Dizia ter profundo orgulho do que fizera e dizia que faria tudo de novo. “Só vou tentar ser mais competente.” O único problema da decisão de pegar em armas contra a ditadura havia sido o fato de a guerrilha ter sido derrotada.

O exílio trouxe o caminho que o levou da ALN à volta à militância no Partido Comunista Brasileiro. Viveu na França, onde se tornou músico – ao voltar ao Brasil, no começo dos anos 1980, o ex-guerrilheiro passou a dar aulas de música. Concorreu pelo voto a uma vaga no Parlamento mais de uma vez, mas não teve sucesso. Ligou-se a Miguel Arraes e ao seu PSB, no Rio. E nele ficou até a morte de Eduardo Campos, o sobrinho de Arraes e candidato do partido à Presidência, em 2014.

Casou-se pela última vez com Maria Claudia, que pesquisava a atuação das mulheres na ALN. Deixou então o Rio e o trocou pelo interior de São Paulo. Um longa doença que ele enfrentou nos últimos anos parou sua respiração neste sábado. Maria Claudia escreveu então aos amigos. “O quadro é irreversível. Ele se vai como viveu a vida: com coragem. Obrigada a todos que por todo lado nos deram força e nos reconfortaram. Vou viver a passagem dele assim, segurando a mão dele e sussurrando bem em seus ouvidos todo amor que tenho por ele.”


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