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A revelação de que os serviços de inteligência dos EUA e da Alemanha usaram dispositivos de criptografia de uma empresa suíça para espionar outros países provoca indignação.
É difícil mensurar o quanto o escândalo da Crypto AG abalou a Suíça.
Por décadas, os serviços de inteligência dos EUA e da Alemanha usaram os dispositivos de criptografia da empresa suíça para espionar outros países. A revelação, que veio à tona na semana passada, provocou indignação.
Desde a Guerra Fria até os anos 2000, a Crypto AG vendeu esse tipo de equipamento para mais de 120 governos em todo o mundo.
As máquinas eram criptografadas, mas conforme foi descoberto, a CIA e o BND, agências de inteligência americana e alemã, respectivamente, adulteraram os dispositivos para conseguir decifrar os códigos e interceptar milhares de mensagens.
Por que a neutralidade suíça é importante
Há apenas alguns países no mundo que optaram pela neutralidade; a Áustria é um deles, a Suécia, outro. Mas nenhum país fez da neutralidade um símbolo de status como a Suíça.
Agora que o escândalo da Crypto AG veio à tona com seus detalhes sórdidos, não há um jornal ou emissora de televisão no país que não esteja questionando a neutralidade da Suíça.
"Está destruída" é um diagnóstico comum.
Um juiz federal suíço já está trabalhando no caso e políticos de diversos partidos estão pedindo a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito.
A neutralidade permitiu à Suíça, por exemplo, representar os interesses dos EUA no Irã por 30 anos, e os interesses de Teerã em Washington. A Suíça negociou bastante nos bastidores com os EUA para permitir o envio de ajuda humanitária ao Irã para aliviar os efeitos mais graves das sanções impostas pelos americanos.
Sabe-se agora, no entanto, que o país vendeu máquinas de criptografia adulteradas, com o selo "Made in Switzerland", para o Irã, para que Washington pudesse espionar.
A neutralidade suíça é reverenciada como se estivesse no DNA do país, parte de uma identidade nacional única, e não na política pragmática de um pequeno país que fornecia mercenários para o resto da Europa até que seus líderes decidiram que não seria mais seguro.
"Nós sobrevivemos a duas guerras mundiais", é uma frase que você costuma ouvir na Suíça. Pode ser irritante para cidadãos de outros países europeus que também sobreviveram a essas guerras, de maneira um pouco mais dolorosa.
Mas é verdade que a neutralidade da Suíça a manteve fora dessas guerras e, em 1945, a economia e a infraestrutura do país emergiram ilesas do conflito, enquanto seus vizinhos varriam as cinzas e os escombros.
Como os suíços se defenderam
A neutralidade não é, no entanto, um escudo que mantém inimigos afastados. Não é uma palavra mágica que você possa dizer e os inimigos vão te deixar em paz.
Na Segunda Guerra Mundial, a Suíça fez de tudo para garantir que seus vizinhos ficassem afastados.
A enorme mobilização, enviando todos os homens entre 18 e 60 anos para defender as fronteiras do país, minando os túneis e as passagens nos Alpes, foi uma delas — e até recentemente isso ocupava um lugar de destaque nos livros de história da Suíça.
Mas houve algo mais, igualmente importante: a Suíça se fez útil para todos os lados do conflito.
A Alemanha nazista encontrou nos bancos suíços um lugar seguro para sua arte e ouro saqueados. Enviou trens repletos de armas pela Suíça para apoiar o ditador italiano Benito Mussolini.
Ao mesmo tempo, o chefe das Forças Armadas da Suíça, general Henri Guisan, mantinha conversas secretas com os franceses sobre lutar juntos, caso os dois países fossem invadidos. Há ruas com o nome de Guisan em todas as cidades suíças.
Ao mesmo tempo, o órgão de inteligência dos EUA na época, o Escritório de Serviços Estratégicos, enviou Allen Dulles para a Europa.
Dulles instalou seu escritório em Berna, capital da Suíça, e ficou lá durante a guerra espionando os alemães. Mais tarde, ele se tornou chefe da CIA.
Quem sabia o quê?
Nos anos 1990, os suíços fizeram uma autocrítica sobre a Segunda Guerra Mundial.
Os livros de história foram reescritos para incluir a política vergonhosa de levar refugiados judeus de volta às fronteiras. Comissões de inquérito foram criadas, memoriais realizados e um ministro do governo suíço, Kaspar Villiger, pediu desculpas formalmente.
É o mesmo Kaspar Villiger que agora é acusado de tomar conhecimento, enquanto era ministro da Defesa nos anos 1990, de que a CIA controlava a Crypto AG e estava vendendo máquinas de criptografia adulteradas em todo o mundo para espionar governos estrangeiros.
Villiger nega, no entanto, as acusações. Mas muitos questionamentos sobre a Crypto foram levantados na Suíça nos anos 1990, por isso é curioso que o ministro da Defesa não tenha ouvido nada ou ido atrás das informações.
Questionada sobre Villiger na Swiss TV, a presidente do Conselho Federal da Suíça, Simonetta Sommaruga, declarou que a especulação não faz sentido.
"Vamos discutir quando tivermos os fatos", afirmou.
A Suíça pode ter dois lados?
Mas como esses dois conceitos — neutralidade e cooperação — podem coexistir?
Talvez da mesma maneira que a Suíça orgulhosamente não luta em guerras, mas vende muitas armas.
Ou da maneira que os banqueiros do país costumavam dizer que "dinheiro não tem cheiro". Em outras palavras, eles ficavam felizes em cuidar dele, seja qual for o conflito sangrento, o ditador cruel, o traficante de drogas ou a fraude tributária de que seja proveniente.
Ou, sendo mais benevolente, a Suíça queria sobreviver à Guerra Fria. Os valores dela eram ocidentais, então, por que não fechar os olhos para algumas operações secretas do protetor-chefe da Europa, os EUA, em uma empresa de engenharia suíça conhecida internacionalmente?
Para ser justo, há milhões de suíços que refletem profundamente sobre essas questões e que fazem uma campanha árdua por uma política menos voltada aos interesses próprios, certamente quando se trata de bancos e comércio de armas, ambos sujeitos agora a uma regulamentação muito mais rigorosa.
Mas, ainda assim, de tempos em tempos, parece que os suíços recebem um sinal de alerta sobre sua neutralidade.
Eles precisam aprender novamente que não são um raio brilhante de esperança no coração da Europa. Pelo contrário, esta é uma tática de sobrevivência pragmática — e, muitas vezes, suja — em um continente com uma história sangrenta.
E, às vezes, como no caso da Crypto AG, esse pragmatismo, junto com o desejo de manter o mito da neutralidade, em vez da realidade, leva a algumas decisões bastante questionáveis.
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