Morreu, aos 91 anos, Alberto José do Nascimento, o nosso *Homem de Honra*
Morreu, aos 91 anos, Alberto José do Nascimento, o
nosso *Homem de Honra*, que nos anos 50 realizou, pela Marinha do Brasil, o
Curso de Mergulho na U.S. Navy juntamente com o negro americano Carl Brasher,
eternizado no filme *Homens de Honra*, estrelado pelo ator Cuba Goonding Jr. e
tendo no elenco Robert De Niro como o Chefe Billy Sunday.
O testo abaixo é de uma reportagem do jornal A Tribuna feita
no ano de 2004.
Quem já assistiu ao filme “Homens de Honra”, de 2000, sabe
que aquela história é baseada em acontecimentos reais: na vida do primeiro
negro (Carl Brashear) a se tornar mergulhador de resgate da Marinha americana,
no início dos anos 50. O que ninguém faz idéia é que um natalense tenha vivido
grande parte daqueles episódios. Inclusive, na escola de mergulho de resgate
foi ele o único a se aproximar e ficar amigo de Carl, quando todos os
aspirantes brancos americanos o hostilizavam e até perseguiam.
No filme, o natalense Alberto José do Nascimento - hoje com
77 anos - seria aquele único aspirante que, logo nas primeiras cenas da escola
de mergulho, permanece no alojamento após a entrada de Brashear, enquanto todos
os outros se retiram, sentindo-se ofendidos e dizendo que “não dividem o mesmo
espaço com um negro”. Porém, não é feita nenhuma referência à presença de
brasileiros na turma. O personagem que representa o potiguar foi substituído
por um americano gago.
“Fui eu quem fiquei no alojamento, então aquele cara do
filme está me representando. Agora, aquela gagueira, todo o resto que acontece
ao personagem é fantasia. Um cara como ele não entraria nunca em uma escola de
elite feito aquela. Ali só entravam os melhores”, diz.
Alberto conta que foi ele quem participou junto com Carl
Brashear do salvamento de um colega preso no fundo do mar. Inclusive, o
natalense recebeu todos os méritos quando a maior participação no feito foi do
marinheiro negro. O filme retrata esse episódio, mas o aspirante que estava
ajudando Brashear, na ficção, era outro, que, inclusive, acabou fugindo. Ainda
assim, ele foi condecorado com medalha de honra.
“Teve esse salvamento, mas ele não aconteceu assim. Não
houve medalha e também não foi um americano que participou da operação, e sim
eu. Como no filme, Brashear ficou muito irritado diante da injustiça”, lembra o
ex-mergulhador potiguar.
Natalense desconhece episódio de disputa com o
comandante
Alberto fala que desconhece o episódio em que Brashear
venceu o comandante, diante dos outros aspirantes, numa disputa para ver quem
ficava mais tempo com a cabeça submersa na água. “Acho difícil de ter
acontecido, até porque o filme mostra que o episódio se deu num bar, com todos
juntos. “Os americanos não ficavam no mesmo espaço que Brashear nem falavam com
ele. Uma vez fizemos um rateio para uma festa e não deixaram ele participar. A
segregação racial era muito forte nos EUA nessa época. Nos ônibus, os negros só
podiam ir na parte de trás. Já lá na escola da Marinha, os americanos se
referiam a ele como negro filho da p.”.
Para Alberto José do Nascimento, o filme retrata bem a
determinação de Brashear de se tornar mergulhador da Marinha americana. A parte
técnica (equipamentos e situações vividas naquele tipo de ambiente) está
impecável, segundo ele.
Porém, ele presenciou o episódio do teste final da escola.
Para conseguir ser aprovado como mergulhador de resgate, os aspirantes tinham
que montar, no menor tempo possível, várias ferramentas pequenas (parafusos,
porcas, ruelas) em uma peça maior jogada ao fundo do mar. O detalhe é que as
sacolas com as ferramentas de todos os brancos foram jogadas fechadas. A de
Brashear foi rasgada e suas peças espalhadas no fundo do oceano para que ele
não completasse a prova. “Aconteceu daquele jeito do filme: ele ficou por mais
de nove horas embaixo d’água, quase congelou, mas somente subiu com a peça
montada”.
Ex-marujo integrou a turma 56 da escola
O ex-marujo natalense Alberto José do Nascimento tem muita história
para contar. E não é conversa de pescador não, é de mergulhador mesmo.
Ele se aposentou aos 39 anos e, com o dinheiro que juntou,
abriu uma firma de salvamento em alto mar no Rio de Janeiro, onde morou por 40
anos. Chegou a ter três navios, mas deixou seu negócio naufragar por mau
gerenciamento. “Vendi os navios fiado e perdi tudo. Hoje vivo da
aposentadoria”, diz, mas sem se lamentar.
Ao lado de Brashear, nos Estados
Unidos, Alberto e todos os outros não passavam de meros coadjuvantes, mas ele garante
ter sido um dos dez melhores da turma, aprovado com 75% de aproveitamento. “No
curso eu estava sempre no topo, e no Brasil não sei de ninguém que tenha feito
mais salvamentos que eu”.
Para integrar a turma 56 da escola de mergulho de resgate da
Marinha americana — considerada a melhor do mundo — Alberto teve que passar por
uma seleção rigorosa, disputando com vários marinheiros brasileiros. Somente
ele e outro passaram.
Na época ele servia na Marinha do Rio de Janeiro, onde
chegou com 17 anos de idade, depois de ter deixado Natal. Nos Estados Unidos,
Alberto ficou somente por quatro meses — o tempo de duração do curso. Voltou
àquele país uma segunda vez para fazer outro curso de capacitação.
O ex-marujo voltou para Natal já tem quase 20 anos. É na paz
de Extremoz que ele vive com suas lembranças e histórias que dariam um
livro.
Filme retrata preconceito contra as pessoas negras
Oriundo de uma humilde família negra, que vivia em uma área
rural em Sonora, Kentucky, ainda garoto Carl Brasher já adorava mergulhar.
Quando jovem, se alistou na Marinha esperando se tornar um mergulhador.
Inicialmente Carl trabalha como cozinheiro, uma das poucas
tarefas permitidas a um negro na época. Quando resolve mergulhar no mar em uma
sexta-feira acaba sendo preso, pois os de sua cor só podiam nadar às terças.
Mas sua rapidez ao nadar é vista por todos e assim ele se torna um “nadador de
resgate”, por iniciativa do capitão Pullman (Powers Boothe).
Quando Brashear entra na escola de mergulhadores, encontra o
comandante Billy Sunday (Robert De Niro), um instrutor de mergulho áspero e
tirânico que tem absoluto poder sobre suas decisões. No princípio Sunday faz
muito pouco para encorajar as ambições de Brashear. O aspirante a mergulhador
descobre que o racismo nas forças armadas é um fato quando os outros aspirantes
brancos - exceto Snowhill (Michael Rapaport), se negam a compartilhar um
alojamento com um negro.
Mas a coragem e determinação de Brashear impressionam Sunday
e os dois se tornam amigos quando Brashear tem de lutar contra o preconceito e
a burocracia militar, que quer acabar com seus sonhos de se tornar
comandante.
Um incidente atinge seriamente a perna de Carl, que para não
ser reformado pede que lhe amputem o membro. Ele começa aí uma nova luta para
provar que pode voltar a mergulhar. O abnegado marujo consegue e, negro e
amputado, torna-se comandante em 1968, aposentando-se nove anos depois, em
1970. Brashear está hoje com 77 anos, a mesma idade do ex-colega potiguar
Alberto José do Nascimento. A diferença é a fama e os muitos dólares. “A
história foi romanceada para dar mais emoção”, disse o natalense.
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