Assumiu um síndico novo aqui no prédio.


A gente adorava o outro, era simpaticão, se dava bem com todo mundo. Adorava organizar festas no play, invariavelmente enchia a cara! Se amarrava numa branquinha!

As crianças então... A-do-ra-vam o cara!
Também pudera, faziam o que bem queriam, jogavam bola no hall, largavam o portão aberto, arranhavam o carro dos vizinhos.

Tinha câmera, mas ele mandou tirar. Não de primeira, mas foi deixando sem manutenção, suspendeu o contrato com a empresa... Até que arrancou tudo.

O elevador tambem parou. O vizinho da cobertura viu que ele não ia fazer nada e ligou pra empresa. Afinal de contas, ele era o mais prejudicado, tendo que subir vinte andares pela escada.
Descobriu que o condomínio tava inadimplente com eles, há dois anos.

- Como assim? A gente tá pagando cota extra tem um tempão!!!

Reunimos os moradores e fomos bater na porta do síndico. Quando ele abriu, caiu o queixo de todo mundo:

A sala toda no porcelanato, mármore de Carrara até na pia da cozinha. Uma tevê de 150 polegadas com sistema Surround, exibia um show de Wesley Safadão.
Tinha um quadro do Portinari no lavabo... No lavabo!!!
Seu Luís, que sempre circulava pelas dependências do prédio todo maltrapilho e de chinelo, dessa vez usava um robe felpudo e segurava uma taça de champanhe.
Sobre a bancada do lindo bar, feita em madeira de lei, um balde de prata com gelo e uma garrafa de Veuve Clicquot de 3 litros mergulhada.

Seu Luís pisava no tapete persa, com um par de pantufas, feito com pele de leopardo.

Levamos um choque.
Dona Therezinha, do quinto andar foi a primeira a falar:

- Que vidão, hein Seu Luís? Tá pagando isso como?

- Qual o "pobrema", queridos? Sô metalúrgico apusentado, porra... Num "pofo" me permitir certas exentri...
é... luxos??? - Seu Luís tinha a língua presa e um vocabulário meio limitado.

- Poder, o senhor pode. Mas deixar nosso prédio caindo aos pedaços não tá certo, seu Luís! - retrucou a velhinha do 602.

- Outro dia vi dois garotos se amassando na escada! Não tinham nem 12 anos! Perguntei que pouca vergonha era aquela e disseram que eram visita da sua casa! Ainda me chamaram de homofóbico! Nem moradores eles eram - o pastor do primeiro andar comentou indignado.

- Isso aqui tá uma bagunça! Lixo transbordando no corredor, lâmpada queimada, hoje cedo vi um rato na piscina! - disse o outro.

- Seu Luís, a gente quer ver a contabilidade do condomínio! - dessa vez, me senti na obrigação de exigir.

O fanfarrão se fez de ofendido, ameaçou desmaiar, vociferou que era um absurdo desconfiarem dele:

- Num tem uma alma mais honesta que a minha "nêfe" prédio! Vofês vão se arrependê!

Descobrimos que seu Luís nem tinha os livros de contabilidade. Vinha roubando a gente há anos. Chamamos uma viatura e levaram o safado pro xilindró.

- Mas e agora? Quem vai ser louco de assumir essa bagunça que tá o condomínio? - perguntei.

Foi aí que uma voz ecoou no fim do corredor:

- Deixa comigo isso daí, talkêi?

Era o seu Jair. 
Militar reformado, meio antipático, de poucos amigos. Sempre deixou claro que não era muito chegado ao casal gay do 701, mas nunca desrespeitou os caras.

O Miquimba, da faxina, adorava ele.
Ninguém nunca entendeu aquilo. Seu Jair só conversava com ele, até ria das piadas do rapaz:

- Você não é fácil, neguim! Agora chega de conversa e vai trabalhar! E vê se faz serviço de branco, talkêi?! - ele sempre dizia.

Contam que uma vez, Seu Jair impediu a filha da Dona Rosário de ser estuprada. Ele ouviu quando a moça gritou por ajuda e desceu correndo com o treizoitão na mão, botando o vagabundo pra correr debaixo de bala.

Dona Rosário nunca agradeceu. Pelo contrário, vivia chamando o cara de fascista. 
Ainda bem que ela se mudou... Nunca fui com a cara daquela magricela. Foi tarde!

O fato é que agora o prédio tá um brinco. Seu Jair parcelou a dívida com a empresa de monitoramento das câmeras, com o pessoal da manutenção de elevadores, e tá tudo funcionando. Estamos em obras. É um transtorno, verdade. Mas os moradores já respiram novos ares.

A criançada não pode, de jeito nenhum, jogar bola nas dependências do prédio, mas estão felizes. Seu Jair fez uma brinquedoteca, reformou a quadra de futsal. Estão numa alegria só!
Safadeza na escada, ele também não admite. Já aplicou umas 50 multas... Devagarinho o pessoal tá entrando no ritmo, é só questão de costume.

Todo mundo tá satisfeito com as melhorias no prédio, usufruindo das vantagens. 
Seu Jair ainda torce o nariz quando o casal do 701 passa por ele de mãos dadas, mas já tá até cumprimentando. 
Uma hora ele também se acostuma. É tudo novo... Pra todo mundo!

Assim que acabar a obra e estiver tudo direitinho, te chamo pra visitar a gente! Só não pode fazer arruaça, tá?! Seu Jair é chato com essas coisas!

Anota o endereço aí:

Edifício Brasil, 2019.

Texto: Sirley Pinheiro

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