Afeganistão: milhares tentam deixar Cabul após vitória dos talibãs
Medo tomou conta das ruas da capital do Afeganistão, tomada no domingo (15) pelo grupo extremista muçulmano
Milhares de pessoas desesperadas seguiram nesta segunda-feira (16) para o aeroporto de Cabul para tentar sair do Afeganistão, poucas horas depois de a capital do país ser controlada pelos talibãs, o que provocou o colapso do governo e a fuga do presidente Ashraf Ghani.
A vitória relâmpago dos insurgentes, que celebraram no domingo à noite ocupando o palácio presidencial de Cabul, desencadeou cenas de pânico e o caos no aeroporto da capital. Soldados americanos atiraram para o alto em uma tentativa de estabelecer a ordem no local.
Milhares de pessoas correram para o aeroporto de Cabul, único ponto de saída do país, para tentar fugir do novo regime que o movimento islamita radical, que retorna ao poder após 20 anos de guerra, promete estabelecer para os afegãos.
Vídeos divulgados nas redes sociais mostram milhares de pessoas aguardando na pista do aeroporto. Muitas pessoas, jovens em sua maioria, se agarravam a escadas para tentar embarcar em um avião.
As tropas americanas atiraram para o alto para controlar a multidão, que não acredita nas promessas dos talibãs de que ninguém deve temer o movimento. Todos afirmam ter "muito medo".
"Temos medo de viver nesta cidade e estamos tentando fugir de Cabul (...) Como servi no exército, perdi meu trabalho e é perigoso viver aqui porque os talibãs vão me atacar, isso é certo", declarou à AFP Ahmad Sekib, de 25 anos, que se apresenta com um pseudônimo.
Com as situação caótica, a autoridade aeroportuária anunciou o cancelamento dos voos comerciais.
As ruas de Cabul eram patrulhadas por talibãs armados, em particular a "zona verde", antes uma área ultrafortificada, que abriga as embaixadas e as organizações internacionais.
Os talibãs anunciaram a seus combatentes que "ninguém pode entrar na casa de outro sem permissão".
"Não se pode atentar contra a vida, a propriedade, a honra de ninguém", afirmou um dos porta-vozes do grupo, Suhail Shaheen.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, o cofundador dos talibãs Abdul Ghani Baradar anunciou a vitória do movimento. "Agora temos que mostrar que podemos servir a nossa nação e garantir a segurança e o bem-estar", disse.
O colapso é total para as forças de segurança afegãs, financiadas durante 20 anos com bilhões de dólares do governo dos Estados Unidos.
O movimento islamita radical iniciou uma ofensiva em maio, após o início da retirada das tropas estrangeiras, em particular americanas.
Em 10 dias os talibãs tomaram o controle do país, 20 anos depois de terem sido expulsos por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos devido a sua recusa para entregar o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
A bandeira americana foi retirada nesta segunda-feira da embaixada dos Estados Unidos de Cabul e "colocada a salvo com os funcionários da representação" reunidos no aeroporto, anunciaram o Departamento de Estado e o Pentágono.
O governo dos Estados Unidos enviou 6.000 soldados ao aeroporto para retirar os funcionários da embaixada e afegãos que atuaram como intérpretes ou em outras funções.
Muitos diplomatas e estrangeiros foram retirados às pressas de Cabul no domingo. A França iniciará o processo de saída nesta segunda-feira.
O Conselho de Segurança da ONU se reunirá nesta segunda-feira a partir das 14H00 GMT (11H00 de Brasília) para debater a situação.
A Rússia anunciou que seu embaixador em Cabul se encontrará na terça-feira com os talibãs. Moscou decidirá se reconhece ou não o governo dos insurgentes com base em suas "ações", afirmou o ministério das Relações Exteriores.
A Alemanha deseja enviar soldados ao Afeganistão para retirar seus cidadãos e afegãos sob ameaça, afirmaram fontes parlamentares.
Os cidadãos afegãos e estrangeiros que desejam fugir do Afeganistão "devem ser autorizados a sair", afirmaram Estados Unidos e outros 65 países em um comunicado conjunto, com a advertência de que os talibãs devem demonstrar "responsabilidade".
O presidente Joe Biden estava decidido a retirar as tropas de seu país até o fim de agosto e insistiu que não passaria esta guerra - a mais longa da história dos Estados Unidos - a outro presidente.
"Isto não é Saigon", afirmou no domingo o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ao recordar a queda da capital vietnamita, em 1975, um momento doloroso para os Estados Unidos.
Mas a pílula é amarga para Washington, que não conseguiu construir um governo democrático capaz de resistir aos talibãs, apesar do investimento de bilhões de dólares e do apoio militar durante duas décadas.
Para dezenas de milhares de pessoas que buscaram refúgio em Cabul nas últimas semanas o sentimento era de apreensão e temor.
"Temo que aconteçam combates aqui. Prefiro retornar para casa, onde sei que já parou", declarou à AFP um médico de 35 anos que chegou à capital, com a família, procedente de Kunduz.
Quando governaram o Afeganistão, entre 1996 e 2001, os talibãs adotaram uma versão extremamente rigorosa da lei islâmica.
Nas últimas semanas, os insurgentes prometeram que, se retornassem ao poder, respeitariam os direitos humanos, em particular os das mulheres, de acordo com os "valores islâmicos".
Mas nas áreas que conquistaram nas últimas semanas já foram acusados de atrocidades.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um apelo para que os talibãs não cometam excessos, ao mesmo tempo que pediu respeito aos direitos das mulheres.
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