ISTOÉ revela o esquema dos ministros do STF para enterrar a Lava a Jato
REPORTAGEM-BOMBA DA REVISTA 'ISTOÉ' REVELA AS ENTRANHAS DO
ESQUEMA DOS MINISTROS DO STF PARA ENTERRAR A OPERAÇÃO LAVA JATO
sexta-feira,
junho 29, 2018
Sob o comando de Ricardo Lewandowski, Dias
Toffoli e Gilmar Mendes, a 2ª Turma do STF acelera a revisão de condenações e
escancara as grades para a libertação de políticos presos. A pressa não é à
toa: em setembro, com a mudança da correlação de forças no colegiado, o jogo
pode virar a favor da Lava Jato.
Nos corredores
do Supremo Tribunal Federal, um sentimento une desde alguns ministros até os
auxiliares mais modestos. Aumenta o número de pessoas que começam a acalentar o
sonho da chegada do mês de setembro.
Não exatamente porque a entrada da
primavera ameniza o clima seco que já começa a sufocar Brasília. No STF, a
esperança de mudança de clima é outra. Setembro marcará o momento em que a
atual presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, passará o cargo para o
ministro Antônio Dias Toffoli.
E ocupará o lugar dele na 2ª Turma de
julgamento, aquela que os advogados apelidaram de “Jardim do Éden” pela forma
camarada, para dizer o mínimo, com que costuma tratar os réus. Nas últimas
semanas, a 2ª Turma tornou-se o foco principal de uma franca guerra interna no
Supremo, que vem comprometendo a credibilidade da Corte.
Na terça-feira 26, o
“Jardim do Éden” atuou para rever diversas ações importantes da Operação Lava
Jato. A já bem conhecida tríade formada por Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski atuou para confrontar a Lava Jato com uma verdadeira “Operação
Libera a Jato”.
Na prática, consolidou-se uma política de grades abertas – e
sem mesuras. Colocou em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
Soltou também o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu. Tornou nula uma operação
de busca e apreensão no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann (PR),
presidente do PT – uma semana depois de absolvê-la.
Suspendeu
a ação penal movida contra o deputado Fernando Capez (PSDB-SP), acusado de
corrupção e lavagem de dinheiro em um esquema conhecido como “máfia da
merenda”. Toffoli ignorou mesmo o fato de Capez ter trabalhado em seu próprio
gabinete no STF.
Desconsiderou que a óbvia e estreita ligação entre os dois
deveria impedí-lo de julgar. Com a ausência na terça 26 do ministro Celso de
Mello, a porteira foi escancarada, literalmente: a tríade isolou o ministro
Edson Fachin, relator da Lava Jato, impondo-lhe uma escalada de derrotas.
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No Supremo,
consolida-se a impressão de que os três ministros da 2ª Turma combinaram
“limpar a pauta”. Ou seja, montaram uma articulação destinada a rever o
máximo de condenações e decisões possíveis enquanto dominam o quórum.
Ciente
do quadro favorável, o ex-presidente Lula ingressou na quinta-feira 28 com um
pedido para lá de esdrúxulo. Por meio do advogado Cristiano Zanin apresentou
um novo requerimento a fim de que a segundona do STF atropele o relator da
Lava Jato, ministro Edson Fachin, e retome o julgamento de seu pedido de
liberdade.
Fachin havia decidido enviar ao plenário o julgamento sobre a
validade ou não a soltura de Lula. Para dar celeridade, e evitar um novo
golpe, descartou até a opinião do Ministério Público. Cabe agora à ministra
Cármen Lúcia, presidente da corte, definir a data. Lá, com o time completo,
os 11 em campo, a história em geral é outra: Lula já foi derrotado pelo
placar apertado de 6 a 5. Na 2ª Turma, as chances do triunfo na peleja são
imensamente maiores, por óbvio. Para Zanin “o pedido de liminar deverá ser
analisado por um dos ministros da 2ª Turma do STF, conforme prevê a lei (CPC,
art. 988, par. 1o)”. Resta saber se Lewandowski e companhia terão a audácia
de passar a patrola sobre o colega.
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Mais um 7×1 contra o brasil
Se o
fizerem, há consideráveis chances de êxito, como se viu na terça-feira 26,
quando Fachin viveu seu dia de 7 a 1, só que pelo lado dos derrotados.
Primeiro, os três ministros decidiram anular provas colhidas na Operação Custo
Brasil, um desdobramento da Lava Jato em São Paulo, que apura desvios de pelo
menos R$ 40 milhões no Ministério do Planejamento com a participação da
senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo.
Por 3 a 1, a Turma acolheu um pedido da defesa de Gleisi, que questionava a
realização de buscas e apreensões no apartamento funcional da senadora em
Brasília. Os ministros argumentaram que um juiz de primeira instância não
poderia determinar a busca em um imóvel funcional sem aval do Supremo.
Lewandowski teceu duras críticas à operação: “É um absurdo um juiz de primeiro
grau determinar busca em apartamento de uma senadora. Isso é inaceitável”.
A
decisão, porém, beira o surrealismo ao instaurar uma espécie de “foro
privilegiado em imóveis funcionais”, ou seja, apartamentos que só podem ser
alvos de buscas com autorização do Supremo. “Novidade jurídica: foro
privilegiado de imóveis”, ironizou a procuradora da Lava Jato no Paraná, Jerusa
Viecili.
A Operação Lava Jato está concretamente ameaçada. STF deve ser o guardião
da Constituição e não da injustiça e impunidade. “Enquanto todos secavam a
Argentina, a maioria da 2ª Turma faz 7 a 1 contra a Lava Jato. Ops, não
marcamos nem mesmo um”, lamentou o decano da Lava Jato, Carlos Fernando Lima.
O convescote de Dirceu
Na mesma
sessão, Gilmar, Toffoli e Lewandowski confirmaram a soltura do lobista Milton
Lyra, apontado como operador do MDB.
Em seguida, decidiram ir contra o
entendimento do plenário da Corte, que autoriza a prisão após condenação em
segunda instância, e soltaram o ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, e o
ex-ministro José Dirceu.
Ambos já foram condenados pelo TRF4, mas restou
entendido que as penas ainda poderiam ser revistas por recursos pendentes.
Entre a decretação de sua prisão pelo juiz Sergio Moro e a soltura pelo STF,
Dirceu passou menos de 40 dias preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília.
Na quarta-feira 27, o petista promoveu um animado convescote em sua residência,
no Sudoeste, região nobre de Brasília, durante o jogo do Brasil, regado a cerveja
e petiscos variados.
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A sessão continuou com mais resultados que levam os brasileiros a crer que
criminosos poderosos recebem tratamento diferenciado no Poder Judiciário.
Para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato
no Paraná, “os ministros Gilmar, Toffoli e Lewandowski desrespeitaram a
autoridade do plenário do STF, que autorizou prisão após decisão de segunda
instância.
Tentaram disfarçar, mas a violação é clara. Caso se exigissem
requisitos de prisão preventiva (que aliás estão presentes), não seria
execução provisória”.
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Na tarde
de quinta-feira 28 foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello mandar soltar
outro preso de alto calibre: o ex-deputado e ex-presidente da Câmara, Eduardo
Cunha. Mas como ele coleciona mandados de detenção, em ações às quais responde
por corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha permanece na cadeia, onde se
encontra desde outubro de 2016 por decisão do juiz Sergio Moro.
Como se
nota, Fachin ao lado de Cármen Lúcia tornaram-se ilhas de resistência, em meio
ao libera geral que equipara certas togas ao que há de pior no Legislativo e
Executivo, onde imperam fichas-sujas. No Judiciário, descobre-se agora,
coabitam os togas sujas – aqueles que preferem sujar as próprias mãos e a
indumentária de ministro a aplicar a lei.
O Brasil
não é a terra da pizza, seus traçados não formam uma bota, mas está cada vez
mais parecido com a Itália. Lá, como aqui, tudo começou quase por acaso puxando
o novelo de um escândalo menos estrepitoso de corrupção político-empresarial
que envolveu o líder dos socialistas de Milão, Mario Chiesa. Ele aspirava à
prefeitura da cidade e exigia dinheiro sujo das empresas em troca de concessões
de obras públicas.
Foi então que um grupo de juízes, liderado por Antonio Di
Pietro, uma espécie de Sergio Moro italiano, descobriu que a corrupção era como
cupim a carcomer o sistema político como um todo. Como na Odebrecht, foram
encontradas planilhas com as cifras oferecidas a partidos e políticos.
Praticamente todos os partidos políticos teciam a grande e intrincada teia da
corrupção, embora quem operasse os fios da corrupção fosse o Partido Socialista
(PSI) que, com Bettino Craxi, havia alçado pela primeira vez ao poder. Entre as
centenas de políticos condenados, Craxi e seu partido representaram a alma do
esquema. O líder socialista acabou condenado a 17 anos de prisão, mas desertou
para um exílio na Tunísia, onde terminou seus dias. Também lá, como aqui, Craxi
atacou com virulência os juízes e posou de perseguido político.
A trama foi
revelada como um câncer comandado por um partido a infestar a classe política,
mas degenerou em frustração para os italianos e na aprovação de leis que
neutralizaram as punições aplicadas pela Justiça. O risco, aqui, se impõe a
partir do comportamento de próceres do Supremo. “Infelizmente, o cenário é
muito preocupante porque a similitude com o que ocorreu na Itália com o que
está ocorrendo aqui é muito grande. As reações da classe política lá são
exatamente as mesmas reações da classe política aqui. As frases são iguais.
É
impressionante. O ‘Judiciário quer criminalizar a política’ é uma expressão
usada lá e depois usada aqui”, lamentou Rodrigo Chemim, procurador de Justiça
do Ministério Público do Paraná, para quem a população está meio saturada de
ouvir falar em escândalo. “E aí é o momento que os políticos aproveitam para
aprovar leis que no final de contas neutralizam os efeitos da investigação”.
Joaquim
Falcão e o peso da palavra intermediária: “isso torna o País juridicamente
inseguro”, diz ele.
Em
setembro, quando Toffoli sair de campo e adentrar aos gramados Cármen Lúcia, a
tendência hoje ali favorável aos réus tende a se inverter. Cármen, Fachin e
Celso de Mello passarão a formar a maioria que hoje está nas mãos de Toffoli,
Gilmar e Lewandowski.
O que preocupa a todos é a insegurança jurídica que esse
clima de guerrilha traz, com decisões sendo modificadas apenas por conta da
composição que detém a maioria nas turmas. Como escreveu o professor de Direito
Constitucional Joaquim Falcão, o que pesa hoje no STF não é tanto “a palavra
final”, do plenário, mas a “palavra intermediária” das turmas e dos ministros.
As diversas mudanças de decisões são perigosas. “Isso torna o País inseguro
juridicamente”, considera Falcão.
Por isso, a dança de cadeiras no foro
restrito é considerada mais importante que a chegada de Toffoli à Presidência
da corte. Mesmo no comando do STF, ele preside um colegiado. Não pode agir
contra a maioria. Seu poder concentra-se mais na definição da pauta. Como hoje
as seções intermediárias do Supremo têm sido mais importantes, é na 2ª Turma
que a Lava Jato e o processo de saneamento do País nutrem tempos de esperança.
Se até setembro a tríade libertadora não colocar tudo a perder.
Aluizio Amorim
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