Fake news, proibição das armas e o entrevistado
Pedro Frederico Caldas
Tens mais do que mostras,
falas menos do que sabes.
Shakespeare
Você prefere acreditar em mim
ou em seus próprios olhos?
Groucho Marx
Na tentativa de ordenar o inordenado (existe?), façamos como Jack,
O Estripador, vamos por partes.
FAKE NEWS E REDES SOCIAIS
Às vezes, a única coisa
verdadeira num jornal é a data.
Luís Fernando Veríssimo
Há um deblaterar contra as chamadas redes sociais, sob o argumento
de que servem para espalhar fake news. A expressão fake
news está tão em voga que nem mais parece ser anglo-saxônica, parece
algo familiar e incorporada ao português assim como metrô e cowboy.
É verdade, há muita fake news nas redes sociais;
também é verdade que nas mesmas redes sociais as fake news são
desmascaradas; outra grande verdade ainda é que justamente através das redes
sociais as fake news provindas da imprensa são combatidas e
desbaratadas.
Se alguém me perguntar qual foi o principal evento do Século XXI,
responderia sem pestanejar que foi a quebra do monopólio da imprensa.
Antes do advento das redes sociais dependíamos sempre de jornal,
rádio e televisão para saber dos fatos. A versão dada não podia ser
confrontada. Ali estava a verdade, por inteiro e embalada
Vimos há poucos meses a queda do tiranete da Bolívia ao vivo e em
cores pelas câmeras dos circunstantes presentes aos atos e fazendo história ao
vivo. No passado aguardaríamos os “enviados especiais” da imprensa para nos
dizer o que aconteceu.
Ano passado tive de recorrer aos serviços técnicos de uma pessoa
que achei pela internet. Diagnosticado o problema, saímos juntos para comprar o
material necessário à solução do caso.
Logo nas primeiras conversas levadas a cabo no itinerário, notei
que se tratava de pessoa de bom nível cultural e bem informada. Trabalhou
durante muitos anos para uma empresa de televisão brasileira, sempre como
correspondente no exterior. Isso me despertou a curiosidade para saber como os
fatos políticos eram tratados.
Disse que, embora de outro setor do noticiário internacional, vez
por outra era deslocado para a cobertura política. Feita a cobertura, redigia o
texto sobre o evento. Não era incomum aquilo que assistiu e ouviu, devidamente
registrado no texto, ser modificado ao sabor da inclinação política dos que
controlavam o noticiário, a chamada turma da redação. Assim, puxa daqui,
empurra dali, o evento coberto deixava a verdade do texto original para se
acomodar às conveniências políticas da “redação”, através de um novo texto, o
texto transfigurador da verdade. Ou seja, a “verdade” da imprensa não tinha
como ser confrontada com a verdade do fato.
Por isso mesmo, quem mais combate o que circula nas redes sociais
é a imprensa, antes monopolizadora da “verdade”. Agora, a “verdade oficial” da
imprensa pode ser confrontada pelo fato devidamente registrado e documentado
nas redes sociais.
Outro fator em descrédito é o analista político. Antigamente, o
analista trabalhava soberano e desembaraçado. Sua análise centrava praça entre
os desinformados. Agora, a coisa mudou, o analista pode ter sua análise passada
no crivo de quem tem condições para tanto. A rede está povoada por pessoas com
peso intelectual e informação bastante para oferecer outra versão. E não são
raros os casos em que o analista vê seus argumentos completamente desmontados
pela erudição e pelos golpes de lógica de pessoas dantes desconhecidas, mas que
agora ganham visibilidade através das redes. Isso tem causado desconforto e
insegurança aos dantes soberanos analistas da imprensa.
A PROIBIÇÃO DAS ARMAS, A ENTREVISTA E O ENTREVISTADO
Como pontuado por Henry L. Mencken, “para todo problema complexo
há sempre uma resposta simples, elegante e completamente errada”.
Em grande parte das vezes, aos se escolher o entrevistado se está
escolhendo a resposta querida. Vamos ser mais específicos, exemplifiquemos.
As teses contra o cidadão poder ter uma arma para o possível
exercício da defesa pessoal são de fundo ideológico. Podem ver que, fora a
parte os “mansos de coração”, aqueles que preferem morrer a usar da violência
para a defesa pessoal ou de terceiros, normalmente tais teses são brandidas por
pessoas de esquerda, normalmente “engenheiros sociais”, pessoas que se acham
com o dom de saberem o que é melhor para os outros e, por extensão, para a
sociedade.
De ordinário, são chamados “especialistas” para opinarem sobre o
tema. Dentre outros argumentos menores, como a pessoa não saber manejar bem uma
arma, o bandido poder contar com o fator surpresa e outras miudezas, sempre
sacam duas opiniões já carimbadas. A principal e mais falsa é que o Estado é
quem tem que cuidar da segurança das pessoas; outra é que, por isso mesmo e
estabelecida a proibição, basta cuidar das fronteiras para que não haja
contrabando de armas, pois, não havendo armas, não haverá violência.
São duas teses tão verdadeiras como uma nota de três dólares.
Vejamos.
É verdade que o Estado tem como uma de suas atribuições a
segurança, mas não é menos verdade que o Estado não dispõe de meios de prover a
todos, a todo momento, de segurança. Não há como plantar um policial ao lado de
cada cidadão, dia e noite. Sempre foi e sempre será a pessoa a primeira
responsável pela sua própria segurança. A atuação do Estado é e sempre foi
complementar.
As coisas mais elementares são prova disso. Por exemplo, as portas
e janelas das casas dispõem de trincos, trancas e fechaduras justamente para
dar proteção àqueles que as habitam. É justamente nesse ponto que entram, como
sempre entraram, as armas como fator de segurança, dissuasão e
defesa pessoal. São e sempre foram a primeira trincheira do cidadão na defesa
de sua incolumidade física. Hoje em dia, abolidas as armas, as residências
viraram verdadeiras casamatas, protegidas por cercas de ferro, ronda de polícia
privada etc.
Os cavilosos que estão ao tempo todo tentando desarmar os outros,
que não comprem arma, que a tanto não são obrigados. Abandonem a arrogância de
querer saber o que é melhor para as pessoas e vivam de acordo com suas
convicções, deixando os demais em paz para decidir o que é melhor para si
mesmos.
O outro argumento do especialista é que, em havendo a proibição da
venda de armas, basta vigiar as fronteiras para que as armas, uma vez proibida
a venda legalizada, não entrem de contrabando para a mão dos bandidos. Isso não
merece ser chamado de argumento, está mais para engodo.
O Brasil tem mais de vinte e três mil quilômetros de fronteiras,
dos quais quase dezesseis mil são terrestres. É possível evitar a entrada de
armas contrabandeadas no país? Claro que não.
Vejamos o exemplo dos Estados Unidos. Com o Canadá os Estados
Unidos têm fronteira superior a oito mil quilômetros. Todavia, tal fronteira
não é um problema. Estados Unidos e Canadá são equalizados, é como se um fosse
uma extensão do outro, em todos os sentidos. O problema está na fronteira com o
México.
São pouco mais de três mil quilômetros a extensão da fronteira
USA/México, talvez a fronteira mais vigiada do mundo. São usadas imensas forças
policiais equipadas com o que há de mais moderno, como drones, aviões, carros,
cães etc., para não falar na vigilância voluntária exercida por cidadãos
americanos, dentre os quais os famosos “minutemen”.
A despeito de tudo isso, cerca de oitenta por cento das drogas e
centenas de milhares de pessoas entram ilegalmente todos os anos por tão
vigiada fronteira. Só isso mostra como é falaciosa a opinião dos
“especialistas” de que o Brasil poderia controlar o contrabando de armas
vigiando uma fronteira terrestre cerca de cinco vezes maior do que a fronteira
Estados Unidos/México, para não falar da fronteira marítima, que excede os sete
mil quilômetros.
Normalmente, o entrevistador, que não quer a verdade, só quer a
versão que lhe apraz, não confronta o entrevistado com a realidade de fatos
como esses acima postos.
Como já me estendi além do pretendido, pois poderia continuar
arrolando temas tão maltratados pela imprensa, fico por aqui e desejo a todos
um prazeroso e seguro carnaval.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 24-2-2020
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