Por que Bolsonaro e Lula podem querer fugir da raia
Circulou na semana passada, como se fosse atual, um vídeo do ano passado em que Lula se diz cansado e pondera se vale a pena concorrer à presidência. “Se eu tiver juízo, não serei candidato em 2022”, diz o petista.
Foi, obviamente, uma malandragem bolsonarista. Quem divulgou o vídeo, aproveitou para emendar que “Lula fugiu do páreo com Jair” e coisas do tipo. As redes petistas (e agências jornalísticas de checagem de fatos) correram para desmentir a história.
Também a candidatura de Bolsonaro foi posta em dúvida há poucos dias, quando veio à tona que o Centrão cogita criar um cargo de senador vitalício, que seria destinado a ex-presidentes e ex-antipresidentes, garantindo-lhes foro privilegiado.
Muita gente na esquerda tratou essa notícia como sinal de que o bolsonarismo já entregou os pontos, e considera a reeleição um caso perdido. “Jair fugiu do páreo com Lula.”
Tudo isso, claro, é espuma das redes sociais. Lula é candidatíssimo e trabalha para escolher um vice (até o nome do tucano Geraldo Alckmin entrou no liquidificador). Bolsonaro é candidatíssimo e trabalha para escolher um partido pelo qual concorrer. Todas as pesquisas no mercado apontam numa mesma direção: um segundo turno entre ambos, em novembro de 2022.
Mas vale a pena destacar que, para além das torcidas, existe um cenário em que desistir pode ser de fato a melhor pedida para ambos: caso uma candidatura de terceira via cresça, no primeiro semestre do ano que vem, a ponto de ameaçar a ida de Bolsonaro para o segundo turno. Nesse caso, as chances de Lula vencer no final da história também se tornariam infinitamente mais incertas.
Esse é um cálculo que circula nos bastidores dos partidos e das pré-campanhas. Sua lógica é simples: a derrota seria custosa demais para os dois. Bolsonaro poderia perder a liberdade. Lula arruinaria de vez a biografia (pois recompor sua imagem de líder popular é, sem dúvida, um dos seus principais objetivos na eleição).
Sim, se o risco se tornar grande demais, Lula e Bolsonaro podem usar uma saída de emergência.
Nenhum político perde muito tempo com essas hipóteses neste momento. Mas nenhum estrategista que se preze tampouco as ignora, porque elas bagunçariam não só a corrida pela presidência, mas todos os outros acertos regionais e partidários em torno da eleição.
Por exemplo: será que Guilherme Boulos, que apoia Lula sem piscar os olhos, estaria igualmente disposto a encher a bola de Fernando Haddad? Será que as dezenas de deputados bolsonaristas espalhados pelo país achariam a mesma graça em subir no palanque ao lado de um poste indicado por seu “mito”?
Política é como nuvem, está sempre mudando, dizia Magalhães Pinto. E políticos profissionais são como aqueles adivinhos da Antiguidade, os nefelomantes, que estudavam as formas e as cores das nuvens tentando prever o destino.
Ninguém quer ser pego sem guarda-chuva.
PS: Muita gente experiente tem dito que Sérgio Moro também deve preferir, na hora H, concorrer ao Senado e não à presidência. Desconfio que isso é pensamento mágico, wishful thinking. Moro já deixou de ser juiz e tem inimigos de sobra. Ao contrário de Lula e Bolsonaro, o máximo que pode lhe acontecer é perder as eleições. Por que não tentar?
Correção: A versão original do texto atribuía a Ulysses Guimarães a frase “política é como nuvem”. Obrigado aos leitores que chamaram atenção para o erro.
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