Ação pessoal de Salazar salvou brasileiros na guerra

 


Aristóteles Drummond

A pior das censuras, a de inspiração ideológica, normalmente de esquerda, procura esconder feitos daqueles que não são de sua crença ou não temem as intimidações que sofrem. Esse é o caso da interferência pessoal de Salazar para antecipar, em semanas, a libertação de 28 diplomatas e funcionários brasileiros, confinados em Dresden, na Alemanha, às vésperas do grande bombardeio que dizimou a cidade alemã, em 1944.

O grupo tinha à frente o embaixador Luís de Souza Dantas, versão brasileira de Aristides de Sousa Mendes, que assinou centenas ou milhares de vistos para judeus saírem da Europa. Por 22 anos embaixador na França, os dois últimos anos em Vichy, quando foi preso e deportado para a Alemanha, confinado num hotel com o grupo por 14 meses, com a invasão alemã ao território livre francês. O governo do Brasil, como o de Portugal, criava dificuldades para receber refugiados de origem semita, de forma discreta, mas real, por isso os que tiveram a coragem de Aristides e de Sousa Dantas sofreram advertências moderadas.

No caso do brasileiro, a declaração de guerra ao Eixo, em 1942, até reverteu uma situação de censura para de louvação. Pouco depois de responder a inquérito sobre o assunto, declarada a guerra, o diplomata foi recebido pelo próprio presidente Vargas. Com a declaração de guerra do Brasil, os interesses brasileiros na Alemanha, Itália e Japão passaram a ser representados por Portugal.

Com o avanço da guerra e os ataques cada vez mais intensos ao território alemão, o governo dos EUA articulou, por meio da Suíça, uma troca de prisioneiros, que acabou ficando em quase dois mil, presos em diferentes países, mas principalmente nos EUA. No Brasil, eram apenas 132. Assinado o acordo da troca, a ser feita em Lisboa, houve um atraso no embarque dos alemães que estavam no Brasil, que tiveram de ser reunidos no Rio e ficaram no aguardo do navio para Lisboa. A demora seria em torno de oito semanas, o que poderia colocar em alto risco os 28 brasileiros. Diante deste facto, Salazar pediu pessoalmente ao embaixador alemão em Lisboa que encaminhasse a Berlim o pedido de imediata entrega dos brasileiros, que ficariam custodiados em Lisboa até a entrega dos alemães, sob responsabilidade do governo português. E assim foi feito, com as gestões em Berlim a cargo do embaixador de Portugal, Conde de Tovar, de grande prestígio na capital alemã.

A recepção aos brasileiros em Lisboa foi grande. Na mesma semana o Primeiro-Ministro Salazar os recebeu para almoço em São Bento, a imprensa deu ampla cobertura à intervenção portuguesa. Semanas depois da retirada, o hotel em que viviam em Dresden foi totalmente arrasado pela aviação aliada. 

Sousa Dantas foi uma personalidade curiosa, tendo tido uma carreira singular, pois ocupou por 26 anos apenas duas embaixadas, a de Roma, quando se tornou amigo de Mussolini, que foi à estação se despedir quando de sua ida para Paris, onde permaneceu até 1942, e depois em Vichy, até 1944. Mais tarde, foi embaixador na ONU.

Sousa Dantas era conhecido em Paris por manter as melhores relações com governo e oposição e o mundo artístico e cultural. Era amigo de Chanel e, aos 57 anos, se casou com a milionária americana Elisa Stern, que morava em Paris e havia recebido a Legião de Honra por serviços prestados na Primeira Guerra, através de grandes donativos. Seu irmão Eugene Meyer, em 1933, comprou o jornal Washington Post. E a irmã Florence era casada com o milionário George Blumenthal, que vivia parte do ano em Paris.

A Embaixada do Brasil em Paris, na ocasião, ficava no prédio imediatamente ao lado do restaurante L’Avenue, na Avenue Montaigne, e lá está, até hoje, uma placa de mármore na fachada com o seguinte e honroso texto: “Aqui morou, por 22 anos, um grande amigo da França, Luiz de Souza Dantas, embaixador do Brasil em Paris – 1922-1944”.

Título e Texto: Aristóteles Drummond, o Diabo, n 2298, 15-1-2021 



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