Narcotraficante venezuelano cita políticos do Brasil, da Argentina, da Espanha e do Equador
Hugo Carvajal, El Pollo, é uma bomba relógio. Por isso os Estados Unidos cobram sua extradição. A Espanha reluta em entregá-lo
Para aqueles que não acreditam na possibilidade dos fatos superarem as narrativas ficcionais imaginadas pelos escritores de novelas da TV, alinho alguns casos recentes, que explodiram na Espanha e respingaram em vários outros países. Estão lá, nas páginas dos jornais espanhóis, essas histórias que trago para os leitores do Jornal Opção. Procure-se por exemplo, na internet, o que escreve a jornalista espanhola Cristina Segui, muito bem-informada e empenhada na questão. Não adianta buscar na imprensa brasileira, que escamoteia o assunto.
Em setembro de 2021, foi preso na Espanha, após três anos foragido, o venezuelano Hugo Armando Carvajal Barrios, apelidado EL Pollo (O Frango). Carvajal já havia sido preso em território espanhol em abril de 2019, a pedido dos Estados Unidos, que requeriam sua extradição — era o principal acusado do tráfico de drogas da América do Sul para os EUA. Um dia após aprovada a extradição, Carvajal conseguiu fugir, o que só pode ter acontecido com auxílio de gente poderosa na Espanha.
Mas os EUA parecem ter mesmo muito interesse em tê-lo no seu território para combater o tráfico que os assola. São o maior consumidor mundial de cocaína, o principal item da pauta de exportação de El Pollo durante sete anos para aquele país. Tanto interesse que ofereceram 10 milhões de dólares por uma simples informação que levasse à sua prisão. Uma feliz vizinha do apartamento onde se escondia El Pollo, em Madrid, parece ter levado a bolada.
Relembro a trajetória de Carvajal: general do exército venezuelano, braço direito de Hugo Chávez, chefiou a espionagem no país de 2004 a 2011, ao mesmo tempo em que traficava drogas em alta escala — a serviço do “bolivarianismo”. Imaginem os leitores sua experiência, atuando por sete anos juntamente com os serviços secretos cubanos e os narcotraficantes das Farc colombianas.
O esquema montado e chefiado por Carvajal, juntamente com agentes (muitas vezes no governo) de Cuba, Colômbia e Bolívia, supria (e possivelmente ainda supre) o mercado americano de drogas. Até submarinos eram (ou são) usados nesses traslados, como por vezes vemos no noticiário. Por isso o enorme interesse dos EUA em interrogar Carvajal — e claro, condená-lo pelos crimes.
O tráfico para os EUA fazia parte de uma guerra política (Fidel Castro e Hugo Chávez desejavam enfraquecer o caráter da juventude americana) e econômica (pois proporcionava divisas a uma Cuba miserável, sem as esmolas que a URSS dava antes da queda do muro de Berlim). E, claro, enriquecia muita gente da nomenklatura comunista da América Latina. Carvajal havia caído em desgraça na Venezuela, por se aproximar do oposicionista Juan Guaidó, que acabou derrotado por Nicolás Maduro, e teve que fugir para a Espanha. Com sua prisão começa outra história, repleta de lances bombásticos, e até românticos, como o leitor verá a seguir.
Preso novamente Carvajal e iminente sua deportação, seus advogados solicitaram para ele asilo na Espanha, o que foi de início negado. Parecia que a qualquer momento dar-se-ia a extradição. Mas El Pollo não é um amador. E não quer enfrentar a Justiça americana, muito mais dura que a espanhola. Imediatamente fez algumas declarações que repercutiram não só na Espanha, mas em várias partes do mundo. Propôs um acordo com a Justiça espanhola, mas sem participação do governo, pois tinha informações que o comprometiam e interessavam à Justiça.
El Pollo disse que o esquema que chefiava na Venezuela marxista era responsável por financiamentos ilegais de políticos espanhóis, tendo inclusive sido responsável pela criação de um partido (o Podemos, que faz parte do Governo). Citou o ex-primeiro-ministro José Rodriguez Zapatero e revelou que ele é proprietário de uma mina de ouro na Venezuela, e contou que o ex-juiz do Supremo Espanhol Baltasar Garzón foi contratado pela petroleira venezuelana PDVSA por quase nove milhões de euros, num acordo cujos fins não são bem claros. E disse mais: que também financiou fraudulentamente governantes latino-americanos, como Cristina Kirchner, Lula da Silva, Evo Morales, o paraguaio Fernando Lugo e o equatoriano Rafael Correa, todos eleitos presidentes de seus países.
O venezuelano deu detalhes e prometeu documentos, se obtido asilo espanhol. Depôs também para promotores italianos sobre financiamento do partido de extrema esquerda Movimento 5 Estrelas usando os fundos venezuelanos que administrava. Pediu asilo à Itália: tudo vale para não ir para os EUA. O golpe parece ter resultado: a Justiça espanhola, interessada, mantém suspensa a extradição. Enquanto isso, em vários países, há uma torcida para essa extradição de El Pollo para os EUA. Uma exportação de frango que deixará em palpos de aranha muitos figurões hoje posando de gente boa e até de candidato presidencial nesses lugares. Como aqui no Brasil. A Justiça americana costuma sancionar cidadãos também no estrangeiro, o que às vezes não tem efeito prático, mas tem efeito moral e eleitoral.
Realismo do romantismo de Baltasar Garzón
Mas — dirá o leitor — onde está o lado romântico prometido na história? Vamos a ele: o leitor por certo se lembrará de Baltasar Garzón. A parte romântica é com ele. Era juiz do Supremo Tribunal Penal espanhol e obteve em 1998 a prisão do general Augusto Pinochet, que se encontrava na Inglaterra, sob a acusação de violação de direitos humanos. Ficou mundialmente famoso por isso. Pouco tempo depois, em 2012, foi expulso da Corte. Não agia de conformidade com as leis, mas conforme seu estrelismo. Além disso, não explicou bem uma importância considerável recebida do Banco Santander para financiar uns cursos que administrou na Universidade de Nova York.
Nada aconteceria, se fosse no Brasil, mas não foi aqui. Garzón foi simplesmente posto no olho da rua, para desgosto de toda a esquerda internacional, que ainda o tem como herói. Mas ele aproveitou muito bem a fama e sua identificação com as esquerdas. Convidado por Cristina Kirchner, foi trabalhar no governo argentino, muito bem remunerado, por sinal. Ficou ali até 2016, fim do governo de Cristina.
A presidente enviuvara, e Garzón sempre posou de galã. Logo surgiram notícias de um namoro entre ela e Garzón, nunca desmentido, durante sua permanência portenha.
Garzón também prestou serviços para o governo marxista de Rafael Correa no Equador, entre 2012 e 2014. Voltou à Espanha e abriu um hoje próspero escritório de advocacia. E como denunciou El Pollo, o escritório de advocacia de Garzón, o Ilocad, em 2016, foi contratado pela petroleira venezuelana PDVSA por quase nove milhões de euros, sem que se saiba bem qual a finalidade.
Para terminar, mais romance: quem preside a Fiscalia General del Estado, na Espanha, que é a Procuradoria Geral da República (PGR) de lá, é uma senhora chamada Dolores Delgado García. É ao mesmo tempo uma senhora de beleza madura, uma cinquentona muito bem conservada, e atual conquista de Baltasar Garzón. Vivem juntos.
Só que o escritório de Garzón tem vários clientes com processos na Justiça espanhola — inclusive outros casos de extradição — onde a atuação do órgão chefiado por Dolores é fundamental, o que sem dúvida gera muitos comentários. Como se comportará ela quanto à extradição de El Pollo? É uma boa pergunta.
Baltasar Garzón não é advogado de Carvajal, embora a princípio parecer que seria, naturalmente. Garzón não esconde seu marxismo, tem ligações com os chefões da canhota por todos os lados. Basta comentar que ele esteve visitando Lula quando estava encarcerado. Parece, contudo, que a revelação de Carvajal das ligações financeiras de Garzón com a Venezuela dificultou a aproximação. Mas o ex-juiz não quer a extradição, sem dúvida.
O leitor deve ter visto nos jornais as notícias da viagem de Lula à Espanha em novembro passado, logo após a prisão de El Pollo e suas declarações envolvendo o petista no esquema narco financeiro. Deve ter notado que Lula fez questão de se encontrar com Zapatero, outro enrolado na questão.
Carvajal é o assunto do dia na Espanha. Embora nenhum órgão de imprensa brasileiro tenha especulado a respeito, é fácil deduzir o motivo de Lula correr para a Espanha logo depois da prisão de Carvajal, em novembro passado. Não será por turismo. Lula pode até não admitir, mas correu a Zapatero preocupado com a extradição de Carvajal. Apostar no contrário é fazer pouco de Lula, o que já redundou em muita desgraça nesta nossa terra.
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